04 de setembro
FGB participa do 23º Grito dos Excluídos com debate
em Nilópolis sobre segurança pública
Uma das maiores manifestações populares do mundo vai acontecer essa semana em diversas partes do país. Criado em 1994, o Grito dos Excluídos entra em sua 23ª edição com o tema “Por Direitos e Democracia, a Luta é Todo Dia”. Criado a partir da iniciativa da Pastoral Social da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) e de movimentos sociais, a atividade é um espaço de manifestação plural englobando indivíduos, grupos, entidades, igrejas e movimentos sociais comprometidos com as causas dos excluídos. Embora idealizado por uma entidade ligada à Igreja Católica, o Grito agremia todas as religiões que lutem pelas causas progressistas, além de matizes ideológicas não necessariamente religiosas. Fórum Grita Baixada conversou com dois debatedores que participarão de uma mesa sobre segurança pública nesta terça-feira (5/2) promovida por uma série de entidades.
O primeiro debatedor é o coordenador do Fórum Grita Baixada, Adriano de Araujo:
Qual a importância do FGB em participar de um evento dessa natureza?
“O Grito não tem um “dono”, não é da Igreja, do Sindicato, da Pastoral; não se caracteriza por discursos de lideranças, nem pela centralização dos seus atos.O ecumenismo é vivido na prática das lutas, pois entendemos que os momentos e celebrações ecumênicas são importantes para fortalecer o compromisso.Assim, tanto o Fórum Grita Baixada quanto o Grito dos Excluídos alimentam essa perspectiva de desvelar o silêncio sobre a situação e os processos de exclusão social. É preciso gritar bem alto para chamar a atenção para as injustiças e os processos de exclusão. A violência é uma das formas mais perversas de exclusão social. A partir dela outras exclusões se alimentam e perpetuam. Onde há insegurança as escolas não abrem e as aulas são suspensas comprometendo as perspectivas de futuro; onde há insegurança o trabalho e a renda definham, comprometendo ainda mais a vida dos trabalhadores; a violência letal atinge a todos, mas os pobres, negros e jovens são suas principais vítimas; somos recordistas mundiais em homicídios e temos a quinta maior população carcerária do mundo; como não pensar em exclusões sociais a partir desses dados? Por tudo isso o Fórum grita Baixada não poderia se calar e não participar ativamente do grito dos Excluídos.
Você tem participado intensamente de uma série de eventos, palestrando sobre a questão da exclusão social sob a ótica dos Direitos Humanos e temas correlatos. Qual a avaliação que você faz dessa crescente oferta de debates nesses espaços? Estamos diante de uma mudança de perspectivas sobre essas discussões na Baixada?
Existem dois aspectos que acho importante mencionar. O primeiro é o rompimento do assombro. O impeachment da presidente Dilma (que completou 1 ano agora em fins de agosto) e as sucessivas medidas adotadas por Michel Temer com a conivência da imprensa, congresso e judiciário, sem falar no setor empresarial, fizeram com que setores dos movimentos populares e mais progressistas ficassem recuados e pasmos diante do rolo compressor que se instaurou. Nestes doze meses muita coisa ruim ocorreu. Direitos sociais foram atacados, o discurso do Estado mínimo voltou, a política de privatizações e de entreguismo foi resgatado. Evidentemente, a reforma trabalhista e principalmente, a reforma da previdência, mostraram para o grande público os reais interesses deste governo. Mas o fato determinante ao meu ver é o desemprego e a situação da economia. As pessoas percebem claramente que a vida está pior com este governo. As pessoas não têm emprego. As condições de vida se deterioram no Brasil e em particular no estado do Rio. As pessoas e as instituições perceberam, passado o torpor inicial, que muito tem que ser defendido e disputado. Na medida em que parte da sociedade percebeu o que estava de fato em jogo os interesses se rearticularam e novas possibilidade se abriram. Estamos percebendo um grande vigor nas causas e na rearticulação de forças e de projetos. É claro que a proximidade das eleições não pode ser desconsiderada neste cenário, tanto no que abre de possibilidade quanto de limites, mas percebo um cenário mais promissor.
O segundo aspecto é a estratégia do Fórum Grita Baixada quanto a questão da visibilidade da Baixada Fluminense, da incidência política e da articulação de grupos de base. Estamos pautando nossas ações neste sentido. Isso tem nos permitido entrar em contato com diversas perspectivas e grupos. Por exemplo, a Frente Intermunicipal de Valorização da Vida (FIVV) - da qual o FGB é um dos grupos fundadores- nos demanda uma construção e uma troca de diálogos com outras organizações da sociedade civil e de governo na perspectiva da necessidade de termos planos municipais de valorização da vida e de redução das taxas de homicídio na Baixada. Esse esforço tem ecoado junto a integrantes do FGB como a Casa Fluminense, o Conselho Regional de Psicologia, o Centro de Direitos Humanos e outros, mas também nos aproximou de outras organizações como a Rede de Mães e Familiares Vítimas de Violência de Estado, a Rede de Juventudes, igrejas e movimentos sociais que se identificam com a promoção e a defesa dos direitos humanos.
A Baixada é um território inclusivo?
Se consideramos a responsabilidade dos governos e da consequência da baixa densidade e fragilidade de políticas públicas podemos afirmar com certeza que não, que a Baixada não é um território inclusivo. Nossas ruas, espaços públicos como escolas e transportes coletivos não estão de fato prontos e acolhedores a inclusão. O direito à cidade na Baixada ainda é algo distante. Mesmo dentro da Baixada temos as áreas mais marginalizadas e postas fora dos acessos aos bens coletivos como bons transportes, boas escolas, áreas de lazer e de equipamentos culturais.
Mas temos no povo da Baixada um diferencial. O povo, ainda é, em geral, um povo acolhedor. Sabemos por que a maior parte dos que aqui chegaram vieram de outros estados e essa natureza migrante ainda permanece entre nós, em maior ou menor escala. Isso nos ajuda a manter o espírito aberto a acolher o diferente, mas não podemos esquecer que a sociedade é dinâmica, em constante mudança. Novos valores e ideologias também vem ganhando espaço entre nós nessas últimas décadas. A intolerância religiosa e os discursos de ódio também se fazem presentes entre nós mas não são eles que dão o tom.
Em seguida, conversamos com a segunda debatedora, a professora de História da rede pública de ensino Claudiele Pavão, que também milita por políticas públicas de melhorias para as mulheres negras
Como professora de História da rede municipal de ensino qual a exclusão mais perversa que você observa no seu cotidiano?
Mais que apontar categorias de exclusão, é importante observar a interseccionalidade das opressões. A opressão de ser mulher, na periferia, aciona outros tipos de discriminação se essa mulher for negra, trans, lésbica. Então, a perversidade da exclusão está latente nas comunidades, mas atingindo as pessoas de diferentes formas. Homens negros são assassinados, mulheres negras são condenadas a chorar por seus filhos/ companheiros a cada operação. Como professora de uma escola localizada num dos bairros com menor IDH da cidade do Rio, vejo o racismo estrutural como o principal combustível para o genocídio físico e social da população negra, todas as dores que observo e vivencio na escola onde trabalho perpassam o racismo.
Você é moradora de São João de Meriti. Sua cidade é socialmente inclusiva? Por quê?
Hoje moro em São Joao de Meriti, mas nasci e vivi 27 anos em Nilópolis. Há 3 estou em São João e pelo que vejo, não é uma cidade inclusiva. Mas é uma cidade com uma população majoritariamente negra, com uma forte e bonita vivência de luta antirracista através da educação e da cultura. Estar em São João tem me colocado em contato com pessoas e realidades de luta que tem me inspirado. E não falo apenas dos jovens, falo de moradoras e moradores antigos, envolvidos na educação pública, que tem trabalhado duro para que a juventude negra tenham acesso a cultura negra e a educação pública de qualidade.
Você já sentiu excluída? De que forma?
Eu sou uma mulher negra. Todos os momentos em que ascendo na vida profissional, tenho que lidar com o machismo e o racismo. E digo isso ocupando o lugar de uma mulher negra de pele clara. A exclusão nos adoece.
Infelizmente há um clássico discurso dicotômico entre a defesa de determinados privilégios de uma elite e a permanência de determinadas exclusões na sociedade brasileira. Na sua opinião, é possível encontrar um ponto de equilíbrio entre esses discursos?
Quando há defesa de privilégios para uma elite, há permanência de exclusões. Por isso não vejo ponto de equilíbrio nesses discursos, porque esse equilíbrio significa a continuidade da exclusão. A busca é por uma transformação social que acabe com os privilégios, que reconheça todas as pessoas, sejam elas negras, lésbicas, trans, travestis, como indivíduos com garantia de direitos humanos. Ainda não alcançamos esse objetivo. Através de muita luta, convivendo com muitas mortes (muitas delas em vida, pela invisibilidade) temos alcançado bons resultados, que nos motivam a seguir na resistência e na luta. Estamos cada vez mais presentes nas universidades, produzindo estudos relevantes, mesmo diante de toda dor e repressão. Há muita mediocridade entre os privilegiados. E nossa potência brilha diante deles. Há muito o que fazer, mas não podemos esquecer que para estarmos onde estamos, nossos ancestrais seguiram lutando, nos preparando para as novas batalhas, conquistando novos espaços. A resistência não começa com a nossa geração. E mais, a luta também é afeto, como Azoilda da Trindade nos ensinou. Continuamos porque nos permitimos afetar e sermos afetados pelos nossos.
O que te faz gritar?
O que me faz gritar é a negacão do direito a humanidade.
Serviço
Onde: Galpão 252, na rua Senador Salgado Filho 252, Olinda - Nilópolis
Horário: a partir das 18h