14 de maio
FGB participa de audiência pública sobre balanço da Intervenção Federal
Organizada por Comissão Especial para acompanhar o cumprimento de leis da Assembleia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro (Alerj), evento reuniu movimentos sociais que compõem o Observatório da Intervenção.
Desnecessária, inócua e irrelevante. Essas foram algumas das palavras utilizadas em vários momentos de fala durante audiência pública realizada semana passada (07/05) sobre os dois meses de intervenção militar decretada pelo governo federal. O convite partiu de comissão especial da Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro (ALERJ), encabeçada pelo deputado estadual Carlos Minc, que convidou organizações e movimentos sociais do Estado do Rio, dentre os quais o Fórum Grita Baixada, que compõem o Observatório da Intervenção, iniciativa criada pelo Centro de Estudos em Cidadania e Segurança Pública (Cesec), da Universidade Cândido Mendes. O evento também serviu para a apresentação de dados e indicadores de violência durante a vigência da intervenção, que foram incorporados ao relatório “Intervenção no Rio: à deriva, sem programa, sem resultado, sem rumo”, produzido pelo Observatório.
De acordo com Silvia Ramos, coordenadora do estudo, os números desse período mostram que não houve estratégia ou plano de ação com programas e metas. E com a ausência de gestão e transparência orçamentária, inúmeras violações de direitos vêm sendo denunciadas à instituição. “A situação é muito preocupante, é o pior cenário: estamos à deriva. A gente se pergunta para aonde o Rio está indo com essa intervenção”, questionou.
No relatório, encontram-se duras críticas ao governo Michel Temer. Logo em uma de suas primeiras páginas, há uma breve análise sobre os reais motivos da implementação desse “plano de segurança”. “Na verdade, a decisão (de se decretar a intervenção) teve forte cunho político e permitiu ao Planalto abandonar, sem maiores danos, a sua maior agenda, a Reforma da Previdência, já que a Constituição proíbe a votação de propostas de emenda constitucional durante os períodos de intervenção. Além disso, a medida fortalece o governo Temer, tanto no país como no Estado, onde o partido do presidente enfrenta forte crise.”, salienta a publicação.
Crise essa que foi observada pelo coordenador do Fórum Grita Baixada, Adriano de Araújo, que afirmou que desde o início da implantação da Intervenção Militar Federal, o FGB sempre se posicionou contra tal medida. “Se a gente pudesse resumir a Intervenção na Baixada nós teríamos dois aspectos. Primeiro: essa intervenção não existe na Baixada Fluminense, não da forma como sua manifestação é vista na TV. Por outro lado, temos a percepção que a violência aumentou, principalmente com a fortificação das milícias em regiões como Itaguaí, Seropédica, Queimados, Japeri, Nova Iguaçu e Belford Roxo. Recebemos informações quase que diárias sobre suas atuações. A violência na nossa região é acirrada desde a década de 1970 com o aparecimento de grupos de extermínio e isso apenas continua. Com a intervenção terminando no final do ano, o problema da segurança pública vai continuar”, disse Araújo.
O coordenador prossegue em sua fala. Embora visse iniciativas como as da ALERJ como legítimas, ficou impressionado com o número de eventos dos quais participou, em que o assunto intervenção militar era meramente restrito ao município do Rio, descartando outras regiões do Estado consideradas vitais para a detecção de seus impactos, como a Baixada Fluminense. “Vivemos uma situação estranha, pois nos territórios da Baixada, onde áreas extremamente vulnerabilizadas pela violência, e que também deveriam fazer parte da estratégia da intervenção, percebemos que nada mudou. Essa tão propalada sensação de segurança passa ao largo e o que mais temos recebido em termos de informações é que em áreas violentas, a violência ficou pior e em territórios onde nunca aconteceram registros dessa natureza agora são focos violentos.”, continuou Araújo.
O coordenador da Casa Fluminense, Henrique Silveira, disse que o relatório “traz com clareza aquilo que comprovadamente vivemos em nosso cotidiano”. “Há um vazio de uma política pública efetiva para a área de segurança pública. O Exército apenas está fazendo do Rio um palco de experimentação para a área de segurança pública e que não responde aos anseios da população e ao que se refere a letalidade sofrida pelos policiais que são os que mais matam e morrem no mundo.”
Ele também defendeu a abertura da CPI dos Autos de Resistência que, em julho de 2017, durante a elaboração de seu relatório final, sugeriu a responsabilização de todas as instituições envolvidas na segurança pública, prevendo o afastamento imediato de policiais que tenham cometido execuções sumárias em quaisquer tipos de operações. A íntegra do documento, que deveria ser publicizada para consulta pública, foi vetada pelo deputado estadual Flavio Bolsonaro. De acordo com o relator da CPI na época, deputado Marcelo Freixo (Psol), 98% dos casos de auto de resistência foram arquivados a pedido do Ministério Público ou pelo próprio Tribunal de Justiça.
Já a pesquisadora da Anistia Internacional, Renata Neder, avaliou que o modelo de intervenção proposto nada mais é do que a reprodução de caráter militarista já existente no cotidiano de moradores de favelas e outras periferias do Rio de Janeiro e que só deveria ser adotada através de situações extremamente excepcionais. Embora o Rio de Janeiro viva uma grave crise de violência e insegurança pública, Renata lembrou que o mesmo governo federal que decretou essa intervenção foi o mesmo que, em janeiro do ano passado, já havia implementado um plano nacional de segurança pública, capitaneado pelo então Ministro da Justiça, Alexandre de Moraes, que não deu certo. Entre os objetivos apresentados no plano, permeou-se a falta de aprofundamento sobre a elaboração de estratégias de gestão para políticas públicas importantes, tais como a redução de homicídios dolosos, feminicídios e violência contra a mulher, além da racionalização e modernização do sistema penitenciário. Uma prática que vem se repetindo, como se pode observar nessa reportagem produzida pelo Fórum Grita Baixada.
Segundo Renata, o que ajudaria a agravar ainda mais uma autonomia potencialmente irresponsável do Exército, são os aspectos jurídicos construídos a reboque da intervenção. “Já vivemos diversas experiências autoritárias no ano passado com a implantação da Garantia de Lei e Ordem (leia mais no final desse texto) em que foram autorizadas as chamadas regras de engajamento e uso da força. O problema é que essas regras de engajamento são diferentes das seguidas pela polícia, possibilitando maior autonomia delas e, com isso, mais letalidades nas áreas onde a intervenção vai atuar.”, explicou a pesquisadora.
Basta lembrar que em operações militares ou policiais, as regras de engajamento determinam quando, onde e como deve ser usada a força. Elas devem equilibrar dois objetivos conflitantes: a necessidade de recorrer a esse poder para completar os objetivos da missão e a necessidade de evitar o uso da mesma de forma desnecessária.
Marcelle Decothé, do Conselho de Ativistas do Observatório da Intervenção, ressaltou que o verdadeiro objetivo dessa estratégia de segurança pública, é o uso político do governo federal. Decothé teme os impactos de quem vive o dia a dia nas comunidades pobres. “Há um aumento exponencial do número de homicídios, do número de violações de direitos humanos. Temos que mapear essas violações nas favelas e periferias do Estado. Nesses dois meses temos uma intensificação de perseguições aos defensores dos Direitos Humanos. Pra nós é muito difícil falar sobre esse e outros assuntos sabendo que vamos retornar a esses territórios, sendo que estamos visados. É um fator que precisamos evidenciar: de que está cada vez mais difícil, pra quem mora em favela e periferia, botar a cara nesses espaços pra falar do impacto que nossos corpos sofrem diariamente”.
Já Luciene Silva, da Rede de Mães da Baixada relatou como a intervenção federal tem refletido na Baixada, especificamente na cidade de Japeri. Agentes de segurança têm amedrontado a população local com ameaças e interferindo em seus cotidianos de forma brutal. “Recebo um telefone de uma mãe de Japeri que perdeu o filho numa ação do BOPE dentro da casa dela, pois os policiais alegaram que estavam perseguindo um suspeito de tráfico e ao ver o filho dessa minha amiga, de apenas 15 anos, atiraram nele, pensado ser o bandido. Ela disse que os militares também estão invadindo comunidades e matando vários jovens e diversos corpos estão desaparecendo. Além disso, vários soldados estão revistando as mochilas de crianças e adolescentes de forma desrespeitosa, muitas vezes atirando a mochila no chão. Mas isso não tem acontecido apenas com essa intervenção. Há muito tempo temos sofrido com isso. A coisa deu uma piorada por causa das UPP`s pois muitos grupos foram para a Baixada. Essa minha amiga me disse que muitas das pessoas que estão no movimento, não pertenciam aos territórios locais”, afirma Luciene.
O deputado estadual Carlos Minc, que presidiu a audiência pública, criou uma comissão especial chamada Cumpra-se, apenas para retomar para a discussão pública, leis que foram engavetas pelo Poder Legislativo. O parlamentar é autor do projeto de lei 182/2015 que, dentre outras determinações, regulamenta procedimentos que devem ser adotados pelas autoridades policiais nas ocorrências dos chamados autos de resistência. De acordo com o texto, será necessária uma maior uniformização dos procedimentos adotados pela autoridade policial nas ocorrências em que haja resultado em lesão corporal ou morte decorrentes de oposição à intervenção policial. O policial reincidente, pela lei proposta, será afastado das funções por um ano.
Um ponto polêmico ao projeto é que trata da implantação de aparelhos GPS e câmeras de vídeo nas viaturas policiais, como garantia de transparência de suas atividades e para evitar possíveis abusos de autoridade. A questão é se pensar formas para que as transmissões de vídeo e o itinerário dos veículos não sejam fraudados para se maquiar prováveis ações ilícitas e até atos criminosos, como o que aconteceu recentemente no assassinato da vereadora Marielle Franco e do motorista Anderson Gomes. A imprensa noticiou que várias câmeras de monitoramento foram desligadas no momento em que a parlamentar se dirigia pra casa, após cumprir uma agenda externa. Esse, com certeza, será um dos grandes desafios do Cumpra-se.
SAIBA MAIS
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Aprovação do relatório final da CPI dos Autos de Resistência