10 de fevereiro de 2025
Entrevista do mês: Rosilene Torquato, ativista pela saúde pública
"Temos pouca importância, como população negra, para políticas públicas
relacionadas à saúde"
FGB conversa com a ativista sobre institutos de pesquisa em saúde, a falta de interesse em relação ao combate à anemia falciforme e o tratamento dado a mulheres negras periféricas na hora do parto em hospitais públicos da Baixada Fluminense.
Aviso: o texto pode conter trechos considerados sensíveis a determinadas pessoas.
Nossa entrevistada tem 56 anos, um filho e dois netos. Uma mulher negra que inicia a militância dentro da Igreja Católica. Seus pais também são católicos e fundadores da Igreja Nossa Senhora de Fátima, no bairro Banco de Areia (Mesquita). A mãe de Rosilene é uma militante do movimento de direitos enquanto o pai, mais articulado com o movimento religioso. Os dois se conhecem dentro da igreja, têm 5 filhos e são moradores de Mesquita. Ela ingressa na militância negra, em 1987, através do movimento Agentes de Pastoral Negros do Brasil (APNs) que completou 30 anos, em 2014, e que já era uma preparação da Campanha da Fraternidade de 1988, cujo lema era Fraternidade e o Negro, realizada no Centro de Formação de Líderes (CENFOR).
- "Era uma campanha que focava o centenário da falsa Abolição de 1888. Ela nasceu a partir da Terceira Conferência Geral do Episcopado Latino-Americano que se realizou na cidade de Puebla, em 1979 que, dentre outras ações, visava um maior olhar sobre a evangelização da América Latina. Dessa forma, padres, freiras e alguns leigos perceberam que o Brasil tinha uma população excluída, que era a população negra, e questionou-se a situação socioeconômica dos negros cristãos, além de fortalecer também o movimento negro na igreja"- diz Rosilene.
De pastoral, passaram a ser um movimento negro e hoje agregam pessoas de outras religiões. Tiveram vários debates e queriam combater a invisibilização dos corpos negros africanos e valorizar a História que não fosse contada apenas do ponto de vista europeu, além de combater o embranquecimento histórico do Brasil.
- "Porém, em muitos lugares, esse debate não foi aprofundado, muitas pessoas não aceitaram ou não quiseram falar sobre isso. Mas continuamos a lutar pela igualdade, pelo acesso e garantia de direitos, disputar e estar nos espaços de poder", finaliza.
Entrevista a Fabio Leon
A senhora escreveu no seu TCC intiulado "Vozes e Olhares das Agentes de Pastorais Negras nos anos 80: experiências na Baixada Fluminense que "a visibilidade da questão racial possibilitou que negros passassem a pensar, discutir e estabelecer visões menos conservadoras e mais críticas em relação a chamada democracia racial brasileira". Como isso se aplica na saúde pública?
Ainda estamos discutindo isso enquanto mulheres, principalmente. Nós temos o recém-criado Comitê Técnico da Saúde da População Negra pelo terceiro governo Lula. É importante ter um espaço para direcionar as políticas para a saúde da população negra. Nós não somos pessoas iguais às outras. Temos poucas especificidades como população negra para diversos assuntos relacionados à saúde. Precisamos ter pesquisas sobre a questão da saúde, do atendimento à população negra, políticas que abordem a necessidade de respeito às pessoas que são atendidas pelo SUS, principalmente por seus profissionais. Por quê digo isso. Nem todo lugar tem água, as pessoas quando vão ser atendidas, talvez não tenham tomado banho porque na sua casa, nesse dia, não teve água. Então essa pessoa não é bem atendida. Tem a questão do preconceito, do racismo e essa pessoa acaba ficando mais doente por causa desse atendimento ruim. Então é importante a saúde da população negra ter essa política diferenciada. Por exemplo, a questão da anestesia na hora do parto. Foram feitas denúncias de que mulheres negras não recebiam a mesma quantidade de anestesia que uma mulher branca. Essas denúncias vieram de enfermeiras, técnicas de enfermagem, médicas da rede pública. Existe uma ideologia racista na medicina em que as mulheres negras são mais resistentes à dor. Baseado em livros antigos. Essas ideias racistas continuam na estrutura da Medicina e no Direito. Por isso, precisamos estar mais presentes nesses espaços para desconstruir esse processo. Por isso, as cotas para negros e negras são importantes, pois como vamos entender, compreender, estudar e promover essas investigações? Precisamos de mais financiamentos públicos para essas pessoas se dedicarem de forma mais estrutural ao problema do racismo na saúde.
Na sua opinião, os institutos de pesquisa, principalmente os que trabalham com saúde pública, demonstraram algum tipo de avanço no que se refere às especificidades da população negra e periférica?
Tem avanço porque tem movimento popular incidindo. Tem movimento aguerrido, não só da sociedade civil, que não é especificamente entendida da questão da medicina, mas também temos o povo que faz a luta pelo SUS, pois é o melhor sistema de saúde que temos. Nós temos que protegê-lo porque ele fornece não só o atendimento, mas possibilidade de participação popular. Por mais que eles tentem dizer que não tem esse espaço, mas tem espaço de denúncias, sim. Temos ouvidorias, as defensorias públicas que acolhem essas denúncias. Outro caso, são as Clínicas da Família que são divididas por regiões e é um sistema que funciona também. Mas existe uma defasagem de profissionais por causa da falta de concursos públicos. Se houvesse mais concurso público, não haveria o receio dos profissionais da saúde serem substituídos a cada troca de prefeito. Temos várias UPAs, mas não temos muitos hospitais ainda. As internações são mais direcionadas para Caxias e pras unidades do Rio de Janeiro. Existe um hospital municipal em Nilópolis, que é o Juscelino Kubitschek, mas não é de grande porte. No Hospital Estadual Ricardo Cruz (HERCRUZ) o atendimento é maravilhoso, mas ainda não dispõe de emergência. É para onde as UPAs encaminham seus pacientes. Um outro problema que vejo é o SISREG. Muito demorado e ainda privilegia pessoas brancas e com poder. Olha só o que aconteceu com o apresentador Faustão. Quantas pessoas estavam naquela fila do transplante de coração e ele conseguiu fazer uma operação urgente e quanto tanto os outros estavam esperando? Há muita diferença no que acontece no campo institucional e nos movimentos sociais. A Fiocruz é uma instituição séria, mas ela precisa ser provocada, de vez em quando, nas questões raciais voltadas à saúde da população negra. A minha instituição, os Agentes de Pastorais Negras, junto com a Fiocruz, fez uma investigação sobre a questão da fome na população negra, na época da pandemia, e como ela foi atingida. Nós estamos na época de terminarmos essa pesquisa e divulgarmos. Também saiu uma pesquisa sobre como a anemia falciforme, uma das doenças crônicas que atinge majoritariamente a população negra, tem mais impactos na saúde odontológica de negros e negras. E é uma doença que não tem cura, que gera muita dor e a única forma de aliviar essas dores é através de morfina. Mas, da mesma forma que existem grandes investimentos e doações para laboratórios e institutos de pesquisa desenvolverem a cura da AIDS e do câncer, não vemos esse empenho todo com a anemia falciforme. Nem mesmo para se criar um remédio para atenuar os efeitos da doença. Então essas provocações, se não partirem da gente, não geram resultado algum.
Como é que a militância avalia o papel das políticas públicas voltados para a saúde da mulher negra na Baixada Fluminense?
Discutimos na militância e enquanto usuárias e usuários também. Porque quando vamos pro debate, nós temos o olhar do outro. Aí podemos avaliar os atendimentos e comparar com os atendimentos feitos com a mulher branca, a indígena, a mulher pobre, a mulher bem vestida, com a mulher que vai de chinelo, com aquela que vai cheia de filhos, com aquela que vai sem filho nenhum. É sobre o que nossos olhares observam na qualidade da medicina e a respeito desse profissional da saúde. Embora muita coisa chegue na mídia, o que estoura é a nossa realidade, que é o atendimento. Porque a saúde é muito ampla, e quando se fala da mulher negra, aí a gente percebe que é um funil. As mulheres negras que têm câncer demoram mais para serem atendidas, o tempo de exame demora muito e o câncer não espera. Eu sou uma mulher diabética, então, de três em três meses, eu tenho consulta. Eu também sou uma mulher que sou investigada por causa de câncer no seio, que já está controlado. Se eu não tivesse um conhecimento prévio sobre essa necessidade, até hoje eu não teria feito um exame. O tempo é espaçoso demais e a quantidade de remédios vai diminuindo, além da qualidade do serviço. E tem a questão do conhecimento do profissional da saúde. Ele precisa ser valorizado. Proporcionar a possibilidade para que esses agentes de saúde conheçam mais sobre os territórios onde atuam. Eu acho que nem é o caso de falarmos sobre capacitação. Ele vai se qualificar para outras coisas visando sua melhoria profissional, porque capacitado ele já é. Mas os governos poderiam valorizar esse profissional colocando ele em mais cursos, de forma que pudesse conciliar trabalho e estudo. E atender, com melhor qualidade, nós mulheres que somos a maioria.
Existe a informação de que a tuberculose estaria tendo uma incidência avassaladora, principalmente em comunidades periféricas, tanto que algumas organizações estão produzindo estratégias para prevenir a população dessas comunidades. Isso nos faz pensar na forma como informações sobre saúde são divulgadas em comunidades empobrecidas. Na sua opinião, essas informações são bem difundidas?
É complicado porque a tuberculose está nos bairros mais populosos, mais pobres e as políticas públicas não chegam na sua totalidade. Sobre a comunidade da Chatuba, em Mesquita, por exemplo. É um bairro populoso, tem vários problemas em relação à distribuição de água, é um bairro violento, além de existirem outras situações de vulnerabilidade social. São essas e outras características que definem onde a tuberculose se manifesta de forma mais intensa na Baixada Fluminense. Saiu uma pesquisa dizendo que, nas casas onde o Bolsa Família chega, famílias estão sendo salvas da tuberculose porque, com o benefício, elas estavam saindo da miséria, passando menos fome, comprando mais comida e se alimentando melhor. Porém, tem muita coisa que precisa ser feita em termos de políticas públicas. Tem a questão de que as casas são muito próximas umas das outras, algumas são construídas de forma que quase fiquem empilhadas umas em cima das outras. Fora isso, tem a questão da higiene. São casas que não possuem ventilação, tem a questão da falta de saneamento básico e, com isso, há muita incidência de ratos, insetos. As unidades de saúde não vão controlar isso sozinhas e pra desatar esse nó, deveria haver mais comunicação. "Se você está com tuberculose, por favor procure o posto de saúde mais próximo da sua rua, se você está tossindo, se está com tais sintomas, procure tal tratamento"...Você não vê isso. Porque antes nós já tínhamos visto várias campanhas de combate à tuberculose. Hoje você vai em alguns lugares em que você sabe que são altos os índices de tuberculose e você não vê campanha nenhuma. Pode acontecer de um agente que esteja na comunidade, cuidando de uma outra situação envolvendo saúde pública, entre em uma casa sem máscara e acabe sendo contaminado e contaminando outras pessoas ao redor. As campanhas precisam ser mais severas, porque a tuberculose atinge a população negra em geral. Com isso, muito mais mulheres negras deixam de trabalhar, porque são elas que fazem o cuidado desta família, que deixam de viver, que abdicam de suas vidas. Porque tem pessoas precisando do cuidado delas e essa mulher vai ficar doente também.
Na sua opinião, como você acha que as mulheres negras da Baixada têm se organizado para enfrentar essas dificuldades, principalmente no que diz ao acesso à saúde e à garantia de direitos?
Ainda há poucas de nós nessas frentes e temos poucas organizações. Eu sou de uma organização de mulheres negras aqui na Baixada, que é o Cabeça de Negra. Vamos ter em breve uma conferência estadual de mulheres marcada para a primeira semana de julho. Aí nós vamos poder olhar quantos movimentos de mulheres nós temos aqui na Baixada. Nós temos várias mulheres atuantes em organizações de mulheres negras, mas poucas de base comunitária. Um grupo bem organizado são as ialorixás que são muito atuantes em seus terreiros. São elas que atendem a suas comunidades quando as políticas públicas não chegam. Elas têm acervos de ervas em seus territórios, carregam conhecimento da memória, saberes ancestrais. Elas têm essa dimensão territorial da saúde pública.
Como a sua ONG, a Cabeça de Negra, vê essa questão da saúde pública na Baixada Fluminense.
Nós estamos terminando um projeto, junto com a ONG Fase, chamado "Costurando Moda com Direito". E na pesquisa, nós percebemos que as mulheres que trabalham como costureiras domiciliares para grandes marcas adoecem muito. A maioria são mulheres negras que trabalham horas e horas naquela máquina e não têm direitos garantidos enquanto trabalhadoras porque é tudo contrato de boca. Algumas têm MEI e outras têm Bolsa Família. Antigamente, existiam no Rio e na região metropolitana grandes fábricas. São Cristóvão era um polo e tinha uma fábrica em Vilar dos Teles (São João de Meriti). Todas essas fábricas encerraram suas atividades. Para baratear os custos de produção, resolveram fazer a divisão dos trabalhos. Por exemplo: vai se fazer uma calça comprida, mas você não faz ela toda. Uma pessoa faz o corte, outra coloca o os botões, outra, os bolsos, uma outra o zíperes e por aí vai. Um vestido de grife para elas saem por 17, 20 Reais, enquanto que essa roupa vai ser vendida por 200 a 300 Reais. Então, é um tipo de um processo de escravidão. Se elas errarem qualquer peça, elas têm que pagar por qualquer erro. Às vezes, o molde veio com defeito, eles vão dizer que o erro foi da costura no fechamento. As horas infinitas de trabalho também lesionam e geram artrose nas mãos, pés, atacam a coluna. E como elas costuram nas próprias casas, muitas dormem por cima das máquinas por causa do cansaço extremo. Faz comida, volta para a máquina, leva os filhos na escola, volta para a máquina. De sete da manhã às onze da noite. Isso quando não trabalham de madrugada. Tentamos falar com o sindicato das costureiras, mas não fomos atendidos.
A questão da ancestralidade, do cuidado caseiro das mulheres negras, percebe-se que isso é uma constante na Baixada Fluminense. De que forma esse processo se mantém vivo?
Hoje em dia a grande maioria das pessoas ainda prefere comprar remédios. Mas em função do baixo poder aquisitivo, houve uma época em que a população pobre da Baixada plantava ervas e chás para vários tipos de problemas em seus quintais. Hoje, com o crescimento da agroecologia, está se dando mais importância aos alimentos com poder de cura, ao invés de ir na farmácia comprar caixinha de remédios. Nós trabalhamos isso como formigas, porque isso não está na grande mídia, mas nas comunidades, na base, nos assentamentos. Falamos sobre esses cuidados nas reuniões com as mulheres de outras organizações, com as ialorixás, com as costureiras. Indicar um chá para cuidar da saúde, por exemplo. Mas existe muito preconceito com esse tipo de medicina natural, porque pensam que se trata de coisa do mal, de ser do pessoal da "macumba".
De que forma a violência obstétrica, que afeta desproporcionalmente mulheres negras, se manifesta na Baixada Fluminense?
Existe uma quase tortura nesse atendimento quando nos referimos às mulheres negras. Lá no Cedim (Conselho Estadual dos Direitos da Mulher) tem uma comissão especial para investigar esses casos. E são muitos. Tem o caso do anestesista que estuprou uma paciente em trabalho de parto no Hospital da Mulher, em São João de Meriti. E ainda tem um fato complicador, que a equipe que gravou o vídeo que flagrou essa violência ter sido processada, por ter ido contra o regulamento do hospital sobre filmagens em locais de procedimentos cirúrgicos. Novas denúncias surgiram porque ele trabalhava em outros hospitais. Isso tudo aconteceu porque existe uma rede de proteção entre os médicos que não leva em consideração que tem uma lei que permite que mulheres em trabalho de parto estejam acompanhadas. Tem casos de mães que acabaram de dar à luz, mas já são encaminhadas direto pra casa. Quando o normal é a mãe sair do hospital, após o parto normal, ficar internada um ou dois dias, e após uma cesariana, quatro dias depois ser liberada. A coisa piora quando tem o fator escolaridade envolvido. Por exemplo, eu tenho uma prima de segundo grau branca, de cabelo liso, com ensino superior. Ela disse que o atendimento foi maravilhoso. A meia-irmã do meu filho teve o parto no mesmo hospital, mas foi muito maltratada. "Ninguém quis me ouvir. Eu estava com dor. Me levaram até o último grau de dor pra fazer a cesária", ela disse. Ela tem só o ensino fundamental e é negra. Meu filho hoje tem 32 anos, mas meu parto também foi sofrido. Eu estava na mesa de operação às 7h e saí às 10h. Eu tive meu filho em Belford Roxo e as mulheres não têm o direito de gritar, não podem chorar e não chamar ninguém. Mulheres em contração, sofrendo lavagem e ainda são deixadas sozinhas. Embora haja muitas denúncias em relação a essas práticas, elas ainda existem. Quando nasci, fui retirada à base de fórceps. Era uma época em que a enfermeira subia na barriga da mãe para, literalmente, espremer o bebê para fora do útero. Além disso, várias mulheres foram submetidas de forma desnecessária a episiotomia. Mas muitas mulheres negras e periféricas não têm essa informação e podem ter sido mutiladas em suas genitálias apenas para bater a meta de atendimentos do dia. Por isso é que não querem acompanhantes. Mas os acompanhantes sabem disso também? Eu sinto esse corte até hoje. Os médicos apontam uma série de razões para isso: "porque a cabeça não está passando pela vagina, porque está em sofrimento fetal". Mas a verdade é que são médicos que não respeitam o tempo da criança.
A ONG Criola está desenvolvendo um planejamento de ações estratégicas para a saúde integral de mulheres negras cis e trans na Baixada Fluminese. Fale sobre essa parceria.
Eu acho que é uma parceria excelente e necessária. Nós estamos construindo uma agenda de conferências e a partir dessa parceria, vamos poder nos cercar de dados para a gente, a partir desses números, poder cobrar do poder público ações e programas mais eficazes. Porque não adianta ter um atendimento específico em larga escala a todas e todos e esquecer de qualificar os outros. E qual é a maior necessidade que as mulheres negras da Baixada Fluminense têm hoje? Cuidar de doenças que atacam especificamente mulheres negras. Temos que questionar onde o poder público vai colocar mais orçamento para a saúde, e quais são as doenças que mais atingem as mulheres negras pra eles colocarem mais recursos, então é necessário uma ação dessa. Eu achei excelente.
Numa primeira etapa, haverá discussões e mobilizações em 8 das 13 cidades da Baixada Fluminense. Quais serão os desafios em se tratar de saúde pública para a população negra numa área tão diversa e extensa como a Baixada?
A primeira coisa a ser feita é combater a invisibilidade dessas mulheres negras. É como se elas não existissem. E é preciso ter em mente que em cada um desses 8 municípios, uma escuta será intensificada para cada uma delas. Quando você não tem dados ou indicadores, você apaga a demanda e a necessidade dessas mulheres. Nós temos um coletivo que é o Baixada em Movimento junto com o pessoal da Casa da Cultura da Baixada Fluminense e nós percorremos os 13 municípios e fizemos conversas com alguns movimentos populares. Uma de nossas lutas é que haja a identificação de cor, raça e sexualidade dos pacientes nos prontuários médicos, inclusive pacientes da população LGBTQIA+ para que os atendimentos obedeçam às suas especificidades. A AIDS tem aumentado na Baixada, mas ao contrário do que se pensa, não é por causa das mulheres negras e tampouco a população LGBTQIA+ é responsável por isso. Estudos recentes apontam que quem mais contamina suas parceiras e parceiros são pessoas hétero. O número de outras DSTs, como a sífilis, também aumentou. Por quê? Porque elas são "mais confiáveis", "mais seguras". Os homens não procuram os médicos, não se cuidam, não tem essa preocupação. Mas isso também é resultado da sociedade capitalista. Que faz com que os homens pretos e pobres e sem muita instrução trabalhem cedo e quando precisam procurar o médico da fábrica ficam com medo de serem impedidos de trabalhar. Aí vai pra emergência do SUS quando é tarde demais. E é sempre a mulher que leva, que pergunta, que questiona a saúde do marido. Além disso, em relação às mulheres, tem as doenças mentais causadas pela violência urbana, pela violência de Estado, pela Educação. Com isso, poderemos direcionar com mais eficiência, as políticas públicas que precisam ser efetivadas. E como faz falta uma Secretaria de Estado voltada para a Baixada Fluminense. Ou que cada Secretaria do Governo do Estado tivesse um gabinete e uma equipe só para se preocupar com os problemas de nossa região. Então acho que, junto com o Fórum Grita Baixada, poderemos transformar essa demanda em realidade.