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24 de outubro de 2018

O campo como força política

Reunião mensal do Fórum Grita Baixada contou com a participação de ativistas, organizações e pesquisadores do Rio e de Goiás para uma roda de conversa sobre violência e direitos humanos no meio rural.

 

Na reunião da coordenação ampliada do Fórum Grita Baixada de outubro, ocorrida nessa segunda-feira (22) um tema especial se mostrou urgente em ser discutido: a situação de vida das famílias do campo. Atendendo pedido feito por representantes da Comissão Pastoral da Terra (CPT), que fazem parte da coalização de organizações que integram o FGB, foi feita uma apresentação especial sobre a situação de áreas campesinas da Baixada Fluminense que observam diversos episódios de irregularidade, algumas delas bem preocupantes. O encontro também serviu para apresentar os dados mais recentes do boletim “Conflitos no Campo 2017” (disponível para download no site da CPT na seção “Biblioteca Virtual” – “Conflitos de Terra no Brasil 2017”), relatório que faz um balanço nefasto sobre os assassinatos ocorridos em áreas rurais no Brasil como outras formas de violações.  

 

A ocasião para tal debate foi propícia pois, dias antes, a coordenação do curso de Extensão Mídia, Violência e Direitos Humanos, indicou o Fórum Grita Baixada como referência para  receber a visita de pesquisadores e estudantes da Universidade Federal de Goiás e da Universidade Estadual de Goiás. Além dos visitantes de Goiás, a apresentação da CPT na reunião do Fórum Grita Baixada contou também com a presença de ativistas, do assentamento Terra Prometida e do Movimento dos Pequenos Agricultores (MPA), ambos de Duque de Caxias.

 

Narrativas andantes e insubmissas

Vindos de vários pontos do Estado, os visitantes de Goiás têm como objetivo a partilha de experiências, saberes e visões de mundo, objetivando a aproximação e ampliação com grupos similares de todo o Brasil, com intuito de fortalecer o projeto “Colóquio Dos Sertões e do Mar – narrativas andantes e insubmissas.” A ideia, segundo comunicado emitido pelo grupo, é realizar eventos itinerantes envolvendo os mais diversos movimentos e instituições sociais, trabalhadoras/es, estudantes, comunicadoras/es populares, camponesas/es, lideranças comunitárias, etc. São professoras/es e pesquisadoras/es, ativistas e alunos vinculadas/o ao Coletivo Magnífica Mundi, da Universidade Federal de Goiás (UFG), além de colegas da Universidade Federal de Catalão (UFCat) e da Universidade Estadual de Goiás (UEG), bem como representantes de diversos movimentos sociais locais, dentre eles o Movimento dos Sem Terra (MST).

 

Voltando a apresentação inicial da CPT, uma das representantes da pastoral, Taís Côgo, leu um texto de Dom Pedro Casaldáliga, bispo emérito da Prelazia de São Félix, referência na luta pelos direitos humanos. Além de ter fundado a Comissão, Casaldáliga também ajudou a fundar o Conselho Indigenista Missionpario, (CIMI), órgão vinculado à Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), com o objetivo de lutar pelo direito à diversidade cultural dos povos indígenas. “Nasceu você um pouco maldita/quase clandestinamente/filha da paixão pelos pobres da Terra/ filha do Reino dos Céus que é Reino da Terra também/Mal vista em casa, odiada fora/ Pastoral da água de Batismo/ ou do azeite da Crisma/ ou do Trigo e do Vinho da Ceia/ a Igreja as vive tradicionalmente/ Mas Pastoral da Terra?/Como se a água e o azeite e o trigo e o vinho não fossem leite e sangue e ternura e pranto da Terra Mãe.../Você é a Pastoral matriz (...)”, assim dizia o texto.

 

Em seguida, uma das coordenadoras da CPT, Sônia Martins, fez um breve recorte histórico da Comissão. Nasceu em junho de 1975, em plena ditadura militar, como resposta à grave situação vivida pelos trabalhadores rurais, posseiros e peões, sobretudo na Amazônia, explorados em seu trabalho, submetidos a condições análogas ao trabalho escravo e expulsos das terras que ocupavam. Entre projetos, acampamentos e/ou assentamentos, núcleos de articulação e envolvimento com entidades/instituições, a CPT da Baixada Fluminense já conta com 11 frentes de atuação, incluindo uma escola de Agroecologia em Nova Iguaçu. “Ao todo, 600 famílias possuem envolvimento com a pastoral” disse Sônia em seu relato.

 

Empreendimentos privados invadem territórios da Baixada

Uma das preocupações das diversas famílias integrantes da CPT Baixada se deve a pouca ou nenhuma resolução sobre problemas fundiários que vêm se alastrando na região. Algumas prefeituras chegaram a formar gabinetes de negociação sobre apropriações indevidas de áreas rurais. Entretanto, os mesmos não deixaram claros que medidas seriam adotadas para a resolução dos diversos problemas apontados pelas comunidades tais como a constituição de empreendimentos imobiliários e condomínios industriais. Esses condomínios (instalações pertencentes, muitas vezes, a fornecedores de empresas e indústrias que se fixam em pontos intermediários para reduzir custos com estoques, processos e transporte de longa distância) estariam interferindo diretamente no cotidiano de algumas localidades, como a comunidade de Marajoara, em Japeri, dificultando diretamente a vida dos pequenos produtores rurais.

 

As prefeituras estariam planejando estruturar a região com postos de gasolina, pontos de reparo para os caminhões, comprometendo toda uma cadeia de produção agrícola familiar de décadas. Situações semelhantes também estariam ocorrendo em vários territórios da Baixada Fluminense como Marapicu, Campo Alegre, Tinguazinho, São Bernadinho, Adrianópolis, Jaceruba. Um dos presentes na reunião sugeriu que fosse feita uma representação junto ao Ministério Público, através de uma comissão, sobre o levantamento apontado pela CPT. Embora a comissão já exista, ela funciona apenas em caráter de monitoramento, pois para impetrar uma ação no MP é necessário alguma prova documental de tais irregularidades tais como modificações no uso do solo ou no Plano Diretor.

 

Após a apresentação da CPT, foi a vez dos convidados se apresentarem. Míria Firmino de Oliveira, do Movimento dos Pequenas Agricultores (MPA), de Duque de Caxias, fazer uso da palavra. Ela falou sobre as atividades do acampamento Terra Prometida, em especial sobre as questões da produção e administração de sementes e de apicultura. Desconhecia grupos de atuação sobre as questões agrárias em outras localidades da Baixada. Vivia em Vila de Cava, mas não podia ir a Tinguá por questões de segurança (criminalização dos movimentos). “Temos muitas dificuldades de levar atividades ligadas às questões rurais, como por exemplo, a Feira da Roça, para as universidades pois há certas resistências em se misturar ideologia política e políticas de alimentação orgânica ou familiar. Apesar disso fico contente de estar em outros locais e fazer um trabalho de base”, afirmou a produtora agrícola.  

 

Nilton Rocha, professor de Comunicação da Universidade Federal de Goiás, comentou sobre o seu projeto “Narrativas Andantes e Insubversivas” que funciona a partir da construção de redes de comunicadores populares em diversas partes do país. Ele pretende montar uma Escola Popular de Comunicação, pois considera que a universidade não é a principal fonte de produção de conhecimento. “É preciso estabelecer uma democracia no sentido radical”, acrescentou o professor.  

 

O coordenador executivo do Fórum Grita Baixada, Adriano de Araújo afirmou, em suas considerações finais, que com essa reunião, a CPT ganha novas parcerias através das organizações que ali se apresentaram e novas estratégias serão construídas. Sobre a situação irregular dos territórios rurais da Baixada, sugeriu uma audiência pública com a prefeitura de Nova Iguaçu demandando providências em relação às questões feitas pela pastoral.

 

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