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23 de maio de 2019

Goiânia também grita pelos seus mortos

4º Encontro Nacional de Mães e Familiares Vítimas do Terrorismo de Estado: um grito por memória, justiça e vida!

 

Texto: Fransérgio Goulart – coordenador do projeto Direito à Memória e Justiça Racial do Fórum Grita Baixada

Fotos: Rede de Mães e Familiares Vítimas da Violência de Estado na Baixada Fluminense e Mídia Ninja

 

 

Compreendido entre os dias 18 e 21 de maio, aconteceu em Goiânia o 4º Encontro Nacional de Mães e Familiares Vítimas do Terrorismo de Estado. O evento contou com a participação de 70 familiares de vítimas das polícias, dos sistemas de medidas socioeducativas e prisional e das milícias. Os dois primeiros dias foram marcados por vivências e histórias, além do levantamento de propostas. Mães e Familiares de 9 regiões do país deliberaram que os MPEs (Ministérios Públicos Estaduais) possam criar grupos de controle da polícia e do sistema prisional nos Estados onde isso não exista, e que esse grupo seja composto de peritos independentes. 

 

Outras deliberações do encontro apontaram que mães e familiares precisam se debruçar e fomentar formações políticas nos Estados em temas como racismo, militarização, machismo/patriarcado e LGBTfobia. Proposta de cursos com a metodologia dos PLPs (Promotoras Legais Populares) foi sugerido.

 

As demais deliberações reforçaram propostas dos encontros anteriores: ações e políticas de garantia da memória e a verdade. Nesse ponto vale ressaltar que muito do acumulado na discussão passa pelos próprios movimentos garantir e construir essa memória com grafites, memoriais e ocupação dos espaços públicos com seus corpos. É a política da memória do “Nós por Nós”. “Se o Estado não fez e não faz, nós fazemos.”, diz uma mãe participante do encontro.

 

A outra deliberação foi a construção de políticas de reparação econômica, psíquica e social. A criação de um Fundo Nacional mais uma vez se consolidou como proposta para essa efetivação, mas no que tange a saúde mental, discutiu-se que essas redes precisam provocar os conselhos regionais de saúde e de psicologia.

 

O terceiro dia (20 de maio) foi marcado por duas atividades de fortalecimento da rede local Mães de Maio do Cerrado. As atividades geraram a realização de um debate público na Câmara Municipal de Goiânia, que contou com a participação das redes e familiares presentes ao encontro, defensoria pública, além das comissões de Direitos Humanos e da Criança e Adolescentes da casa legislativa municipal. Esse debate deliberou a proposta e o compromisso da criação da Semana Municipal das Vítimas da Violência de Estado de Goiás, a exemplo do que já ocorrem em São Paulo e no Rio de Janeiro. A última atividade do dia foi a realização da Marcha contra a Violência de Estado, que teve seu término no Palácio Pedro Ludovico, sede governo do Estado.

 

A agenda do último dia (21 de maio) foi efetivar o trabalho de incidência política em Brasília. A delegação, composta de 70 mães e familiares, participaram de agendas na Câmara dos Deputados, no Conselho Nacional de Justiça (CNJ), na ONU e no Ministério Público Federal.

 

Na Câmara, as mães e familiares entregaram documento ao presidente da Casa Rodrigo Maia, exigindo que sejam aprovadas leis para a criação de um Fundo Nacional e uma Política de Reparação aos familiares, além de uma Semana em Memória das Vítimas do Estado e o fim dos Autos de Resistência, bem como a independência das perícias.

 

Na Câmara dos Deputados acontecia uma audiência pública sobre o Pacote Anti-Crime apresentado pelo ministro da Justiça, Sérgio Moro. Eronilde Nascimento, viúva de Pedro, assassinado em Goiânia pela Polícia Militar, representou essa delegação dizendo NÃO ao pacote, por acreditar que ele vai incentivar a violência já utilizada pelas polícias e potencializar todo o processo da militarização das vidas negras, pobres e periféricas. Na ocasião, foi entregue à deputada Margarete Coelho, presidente do GT, uma carta solicitando que os deputados votassem contra o Pacote. Ainda na Câmara, mães e familiares participaram do debate “Ato-Debate Público: Reparação ao povo negro e às famílias vítimas de violência do Estado”, no Salão Nobre, onde representantes de 16 movimentos de mães questionaram o processo de militarização contra os corpos negros e periféricos em curso.

 

No Conselho Nacional de Justiça, mães do sistema socioeducativo e prisional se reuniram com o juíz Luiz Geraldo Lanfredi, onde denunciaram tratamentos degradantes a que estão sendo submetidas pessoas privadas de liberdade em diversos Estados, bem como as violações de direitos sofridas por suas famílias. O grupo destacou o fato de gestantes e mães de crianças menores de 12 anos continuarem encarceradas, já que poderiam ser beneficiadas pelo habeas corpus coletivo e solicitaram mutirões carcerários. Além disso, foi denunciado o estado de calamidade do atendimento médico no sistema penitenciário e o excesso do uso da prisão provisória, que corresponde a 40% da população prisional. À tarde, a delegação esteve reunida com a representante da ONU Mulheres, Ana Carolina Querino. Na conversa, as mulheres destacaram a necessidade de políticas de autocuidado e de reparação psíquica e social. 

 

Já era noite quando se aproximava a última atividade. A delegação foi recebida pela procuradora federal Deborah Duprat, que ouviu denúncias da recorrente falta de investigação dos casos e dos pedidos de arquivamento feitos pelos promotores estaduais, como no caso dos 10 jovens mortos carbonizados no 7º Batalhão de Goiânia, há um ano. As mães e familiares disseram:  Não, a transferência dos homicídios praticados por militares das Forças Armadas para a Justiça Militar, o que é considerado inconstitucional pela própria procuradora. Foi solicitado a criação de grupos de Trabalhos Interinstitucionais da Cidadania para o controle das polícias e do sistema prisional em todos os estados, nos moldes do GT recentemente criado no Rio de Janeiro em abril.[1]

 

Dentre os movimentos de familiares que estiveram presentes destaca-se a AMAFAVV/ ES, AMPARAR/SP, Mães da Maré/RJ, Associação de Familiares de Pessoas Privadas de Liberdade/ MG, Frente Estadual pelo Desencarceramento RJ, Instituto Memória e Resistência/GO, Mães de Maio do Cerrado/GO, Mães de Maio da Leste/SP, Mães de Manguinhos/RJ, Mães do Cárcere / CE, Mães do Curió/CE, Mães em Luto da Leste/SP, Mães Mogianas/SP, Movimento Independente Mães de Maio/SP, Movimento Moleque/RJ, Rede de Comunidades e Movimentos Contra a Violência/RJ, Rede de Mães e Familiares de Vítimas da Violência de Estado na Baixada/RJ e Vozes do Socioeducativo e prisional / CE. Também estiveram presentes apoiando o encontro: o Fórum Grita Baixada/RJ, Ong Fase/RJ, Justiça Global/RJ, Fórum de Juventudes RJ e Redes da Maré/RJ

 

[1] http://www.mpf.mp.br/pgr/noticias-pgr/violencia-policial-e-de-militares-no-rj-e-pauta-de-novo-grupo-articulado-pelo-mpf

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