28 de agosto de 2020
ARTIGO
Saúde Mental e Mulheres Pretas das Periferias na Linha de Frente do Covid 19
Por: Geilson Simões e Jacqueline dos Santos Soares, Membros do Coletivo de Psicólogos Pretos da Baixada Fluminense - Conceição Chagas
De repente surge uma doença a qual ninguém ao certo sabe de onde veio e como irá passar, pois a mesma não tem uma cura, logo começa um desespero no mundo em busca de mesma. Essa doença gera uma pandemia a qual é nomeada como pandemia do novo COVID-19, tornando o mundo diferente. Ou seja, os seres humanos isolados num período de quarentena e os poucos que precisam trabalhar como profissionais de saúde, domesticas, transporte, entregas e dentre outras profissões considerados essências mante-se um distanciamento social.
Diante de tantas questões que se evidenciaram neste momento em que vivenciamos uma pandemia podemos destacar o abismo da desigualdade social, racial e de gênero no Brasil. Nas periferias, em sua maioria composta pela população negra, teve seu maior impacto no cotidiano das mulheres pretas.
Silvio Almeida menciona em um vídeo no Youtube sobre a relação da mulher preta que trabalha dentro de um sistema econômico. Em resumo, ele diz que a mulher preta sustenta o sistema econômico e não usufrui dos benefícios que segundo a Constituição brasileira esclarece em seu artigo 5° que diz que “todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade”.
De modo geral, a mulher preta paga os impostos, pois quando se é mais pobre mais impostos são pagos e quanto mais ricos, menos impostos são pagos. Essa mesma mulher preta que paga impostos é obrigada a trabalhar no período de isolamento social, pois sua “patroa” não a libera para ficar em casa e nem mantém seu salário. Essa mulher preta deixa seus filhos em casa, pois as escolas não funcionam, e vai trabalhar esperando qual resultado? A morte!
Uma idosa de 63 anos (mulher e preta), que morreu de COVID-19 após sua patroa, que acabava de chegar de uma viagem da Itália contaminada (que está viva, pois tem acesso ao sistema de saúde), infectou a diarista que veio a falecer por falta de recursos melhores e que precisava atravessar mais de 65 km para trabalhar e sustentar sua casa. Ou seja, a COVID-19 atingiu, em sua maioria, a população preta, incluindo as mulheres. Não somente com a morte, mas com desemprego, falta de alimentos, dificuldades para ensinar o filho as tarefas da escola, além de conviver com a violência doméstica, dentre outras que poderiam ser mencionadas.
Quando se destaca a saúde mental da população negra, as mulheres pretas encontram-se em maior vulnerabilidade. Um exemplo disso é a própria Violência de Estado que tem como resultado mais recorrente, o genocídio de jovens negros (que não cessou no contexto da pandemia) fazendo com que essas mães entrem em sofrimento profundo sem ter um espaço de acolhimento e cuidados relacionados aos efeitos da violência sofrida.
O descaso por parte do Estado pela saúde pública durante décadas, nos remete ao seguinte questionamento: Seria a descoberta da vacina o único meio de eliminar o coronavírus? Atualmente doenças que estavam controladas ou até erradicadas no Brasil ( tuberculose, sarampo, entre outras) continuam se manifestando em plena pandemia de Covid 19 nas periferias do Rio de Janeiro. Efeitos da ausência de políticas públicas por parte das autoridades que não priorizaram garantias de direitos básicos à população periférica.
Desde de cedo, as mulheres pretas das periferias aprendem a cuidar um dos outros, cuidam de suas famílias, das famílias das patroas, e há aquelas que se colocam como lideranças na linha de frente nas demandas de suas comunidades que se multiplicaram com a pandemia.
A descoberta de uma vacina paralisará os efeitos devastadores do Coronavírus. Mas se os cuidados de quem cuida não forem priorizados com políticas específicas para as mulheres pretas periféricas, estas continuarão nas estatísticas de óbitos, intrínsecos à pobreza, ao machismo e ao racismo estrutural-institucional.