08 de novembro de 2023
Institucional
Reunião aberta do FGB discute juventude e consciência negra
Debate também se concentrou na produção cultural da Baixada e questionou políticas públicas de fomento para o setor. Manifestações culturais vinculadas à cultura negra e periférica são as que mais sofrem com perseguições e ameaças.
Texto: Fabio Leon e Adriano de Araujo a partir da realização do registro feito no Encontro Mensal Aberto do Fórum Grita Baixada em 06 de novembro de 2023, sobre Juventude e Consciência Negra, realizado no Centro de Formação de Líderes, Moquetá - Nova Iguaçu.
A juventude e a consciência negra foram os temas da reunião aberta mensal do FGB na primeira segunda-feira de novembro. Gisele Alves, pedagoga e professora da educação básica e integrante do Coletivo Mulheres do Ler, Einstein NRC, compositor, rapper, produtor, agente territorial da Rede de Educação Popular da Baixada Fluminense e Museu da Vida (Fiocruz) e William Cruz, vice-presidente do Conselho Municipal de Políticas Culturais de Nova Iguaçu e coordenador da Rede de Educação Popular da Baixada Fluminense foram precisos em seus momentos de fala em relação a alguns desafios sobre ser um jovem periférico na Baixada Fluminense. “Abraçamos todas as pessoas, embora tenhamos uma predominância de mulheres. São merendeiras, empregadas domésticas que aprenderam a escrever poesias. Embora se diga que são formas de empoderamento dessas mulheres, eu não concordo muito com esse termo. Prefiro encorajamento”, disse Gisele, do Coletivo Mulheres do Ler.
Destacamos algumas das falas e contribuições ao debate sobre juventude e consciência negra feitas durante o encontro
É muito difícil esperar que um jovem (ou qualquer outra pessoa), desempregada ou num trabalho precarizado ou mesmo com horários inflexíveis consiga exercer o seu direito à militância quando, às 9h da manhã, sequer conseguiu se alimentar ou ter a garantia de recursos para ir e vir. O jovem que trabalha com cultura na Baixada, com música, de uma maneira geral, não entende os meandros das políticas públicas e do funcionamento da gestão governamental; essas dificuldades de entendimento passam, em compreender a relação entre a capacidade da prefeitura de garantir as condições para as batalhas de rap, por exemplo, ou o acesso à energia a elétrica para a realização das manifestações culturais.
Da mesma forma, muitos jovens não conseguem linkar as relações e as consequências entre a escolha dos conselheiros tutelares na cidade e a facilidade ou a dificuldade para a implementação de políticas para a juventude e a cultura, especialmente quando considerarmos a cultura produzida pelas e nas periferias, ainda passíveis de muitos preconceitos e até mesmo de racismo.
Há de se considerar também a questão da violência letal e das disputas de poder nos territórios. Muitos grupos deixam de fazer atividades como rodas de cultura em função de ameaças de grupos criminosos que atuam nos bairros; grupos estes que enxergam a cultura hip hop como uma ameaça ao seu poder ou ao seu conservadorismo. As manifestações culturais e artísticas vinculadas à cultura negra e periférica, como, por exemplo, aquelas produzidas pelas religiões de matriz africana são as que mais sofrem com essas limitações, perseguições e até ameaças.
Entretanto, apesar de todos esses desafios, não devemos minimizar o significado e a relevância dessas contribuições e dessas manifestações populares. Elas são uma forma de garantir a cidadania e a própria sobrevivência cultural desses grupos, além do próprio pertencimento territorial, racial e porque não dizer, o direito à cidade.
Mas não são somente os grupos estritamente culturais que contribuem para o fazer cultural. Movimentos sociais, associações de moradores, não importa o tipo de organização, também contribuem para a diversidade cultural da cidade. Contudo, devemos destacar que o capitalismo tem como diretriz se apropriar de qualquer conteúdo que possa gerar lucro e exploração. Essa lógica estrutura os editais públicos de cultura e de fomento e se manifesta, inclusive, nas próprias produções culturais.
Desta forma, a seleção dos artistas e das manifestações culturais contempladas pelos editais de cultura acaba reproduzindo e alimentando a lógica capitalista e não a enfrentando. Os grupos aptos e que passam pelos critérios dos editais respondem de acordo com os critérios e valores do mercado. Assim, é o interesse econômico que tem pautado muito da produção cultural, criando a figura dos especialistas em apresentação de projetos para editais e fundos de financiamento. Por outro lado, grupos periféricos, que não dominam ou não compactuam com essa lógica, muitas vezes sequer conseguem participar desses processos, sendo, portanto, excluídos.
Ao invés de centrar força nessa espécie de política, se deveria criar políticas culturais de estado mais democráticas, acessíveis, plurais e pensadas em médio e longo prazo e orientadas pela realidade socioeconômica, de gênero e de raça da população. Outra questão que precisamos considerar é que, muitas vezes, não se considera a perspectiva de que as políticas culturais são essenciais para fortalecer a democracia e os Direitos Humanos.
Pela ótica de alguns governos, a cultura é vista apenas como um acessório, quando muito um instrumento de propaganda governamental ou mesmo de um partido político e não como uma proposta pedagógica emancipatória e libertadora, de denúncia e crítica das desigualdades sociais. Um agravante dessa situação é que na aplicação das Leis Paulo Gustavo e Aldir Blanc, é garantido aos municípios recursos provenientes do Fundo Nacional da Cultura. Porém, algumas prefeituras usurpam a origem desses recursos, afirmando que são elas as detentoras desses financiamentos e os utilizam em estratégias eleitoreiras, beneficiando interesses conservadores, reacionários, e que colaboraram com a extrema direita nos últimos 4 anos.
Essa é uma orientação político ideológica que, via de regra, vai na contramão do que é feito e pensado pelos artistas e produtores de cultura nas periferias. Como dissemos, os editais lançados, apesar do interesse em democratizar o acesso aos recursos, acabam, muitas vezes, reproduzindo a lógica da competição e de projetos de curto prazo, sem investir verdadeiramente em uma política de estado na área.
Uma forma de diversificar e socializar as oportunidades na área da cultura e, em especial, da cultura negra e periférica é ter um diagnóstico dinâmico da arena cultural e artística. É preciso que se faça o mapeamento de iniciativas culturais na Baixada Fluminense e, assim, haverá maiores oportunidades de identificarmos gargalos que impedem um fomento mais expressivo do que temos atualmente.
Em resumo, podemos afirmar que alguns coletivos de cultura acabam se esvaindo, pois existe uma série de desestímulos para suas continuidades. Faltam editais menos rígidos e plurais que de fato apostem no fomento e subsistência desses coletivos populares, pretos e periféricos. n Não podemos ter nos editais a única política pública de fomento à cultura. Vimos que, embora os editais de cultura tragam algumas oportunidades de revitalização a determinados espaços de tempos em tempos, independentemente da importância histórico-cultural de cada um, contemplar alguns significa que muitos são deixados de fora.
É preciso repensar a democratização de acesso a esses editais para que não haja “privilégios” concedidos a organizações culturais que já detêm o conhecimento técnico para se adequarem às especificidades burocráticas dos mesmos. Se queremos potencializar a consciência negra é preciso que as políticas tenham esse propósito também. Devemos lembrar que sequer a Lei 10.639, de 9 de janeiro de 2003, que define o ensino da história e da cultura da África nas escolas é garantido.
Como avançar na consciência de classe e racial assim? Acreditamos que a cultura é sim um espaço expressivo de fomento à consciência de classe, mas ela não está solta no mundo. É preciso a convergência de outros elementos e condições. Um exemplo inequívoco dessa perspectiva é o enfraquecimento e a extinção da figura dos animadores culturais nas escolas públicas estaduais, os ataques ao ensino de artes no ensino médio, a não realização de concursos públicos para as áreas da cultura, o sucateamento da educação e o não investimento público em bibliotecas comunitárias e de servidores públicos para a área.
Leia também:
Racismo religioso: quase 10 anos de um crime sem solução