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07 de dezembro de 2023 

Homenagem ao Fórum Grita Baixada

Reconhecimento por fortalecer a luta pelos Direitos Humanos 

FGB recebe a Medalha de Direitos Humanos Jorge Carelli, definida em votação popular, e concedida pelo Sindicato dos Trabalhadores e Trabalhadoras da Fiocruz (Asfoc-SN) em tarde que contou com a presença de Frei Beto e homenagens a outros movimentos, coletivos e pessoas.

 

Fórum Grita Baixada recebeu no dia 04 de dezembro, a medalha Jorge Carelli, comenda criada pela Associação de Servidores da Fundação Oswaldo Cruz (Asfoc) que realiza essa premiação anualmente a cidadãos, cidadãs, instituições, movimentos e coletivos que se destacaram, através de ações concretas, na promoção e defesa dos Direitos Humanos e contra a violência em todo o Brasil. A cerimônia aconteceu no auditório da Escola Nacional de Saúde Pública Sérgio Arouca (ENSP/Fiocruz) e também serviu de oportunidade para conceder o prêmio Sérgio Arouca a entidades e indivíduos cujas práticas exitosas, através de processos e ações, contribuíram para a democratização da saúde no país.

 

O reconhecimento do Fórum Grita Baixada na luta pelos direitos humanos e contra a violência de Estado na Baixada Fluminense, há mais de 10 anos, se soma e fortalece o debate público gerado pelo documentário “Desova”, produzido pela Quiprocó Filmes e apresentado pelo Fórum Grita Baixada e o Observatório Fluminense da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ), com o apoio da Fundação Heinrich Boll. A homenagem e o filme trazem à tona a realidade dos desaparecimentos forçados, que vitimou o trabalhador Jorge Careli da Fiocruz há 30 anos.

 

O coordenador executivo do Fórum Grita Baixada, Adriano de Araujo, comentou a temática do documentário ao receber a medalha:   

 

- É muito emocionante para nós estarmos nesse lugar. O que aconteceu com Jorge Careli, infelizmente acontece diariamente na Baixada Fluminense com jovens pretos, pobres e periféricos que são assassinatos por grupos de extermínio e milícias. Com apoio do Observatório Fluminense, da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ), o Fórum Grita Baixada promoveu uma pesquisa sobre os desaparecimentos forçados e o filme “Desova” produzido pela Quiprocó Filmes, no qual o professor Fabio Araujo (presente na plateia) teve importante participação, traz as histórias e as narrativas de um grupo de mães que têm seus filhos desaparecidos, além de outros familiares que são vítimas dessa atrocidade. Essa dinâmica vem acontecendo sistematicamente. Existe a participação de agentes públicos, tanto da segurança pública, quanto da estrutura interna de governos. Temos vereadores, prefeitos e secretários envolvidos e patrocinando grupos criminosos.”, disse Araujo em seu momento de fala.

 

De acordo com Araujo, uma das metas do Fórum Grita Baixada é incidir para que o Brasil crie uma legislação voltada especificamente aos desaparecimentos forçados.

 

- O país ainda não tem essa legislação, e já há uma condenação pelo Comitê Interamericano de Direitos Humanos em relação a inexistência desta legislação com a cobrança de medidas concretas de enfrentamento desse crime, considerado hediondo. Diferente do que ocorre em outros países como Chile, Colômbia, Argentina, que enfrentaram essa realidade, o Brasil a colocou para debaixo dos panos essa realidade. Temos a questão dos desaparecidos políticos (da época da ditadura militar) que também é uma realidade importante, mas temos hoje nas periferias pessoas negras e pobres que também desapareceram forçosamente e esses casos continuam invisibilizados. Nós, do Fórum Grita Baixada, aceitamos com muita alegria e responsabilidade essa homenagem, porque é uma homenagem à Baixada Fluminense e à mães e familiares vítimas da violência que lutam por justiça, memória e reparação.”, conclui o coordenador executivo do FGB.   

 

Criada em 2001, o nome que batiza a medalha homenageia Jorge Careli, servidor da Fiocruz que desapareceu em 10 de agosto de 1993,aos 30 anos de idade, durante uma ação de policiais da Divisão Anti-Seqüestro (DAS) do Rio de Janeiro. Careli falava em um telefone público quando testemunhas afirmaram que a polícia chegou ao local e o levou. Ele foi retirado do local, surrado e nunca mais foi visto. Vinte e três policiais foram acusados pelo sequestro e absolvidos por falta de provas. Em 1999, a Justiça condenou o Estado do Rio de Janeiro a pagar uma indenização por danos morais aos pais de Careli. Por ser tão querido e respeitado entre seus colegas de instituição, o Centro Latino-americano de Estudos sobre Violência e Saúde (Claves), pertencente à Fundação, incorporou o nome dele ao do grupo e a Associação de Servidores da Fiocruz (Asfoc) passou a conceder anualmente uma medalha em homenagem a todos que se empenham pela consolidação dos direitos humanos no país. Em junho desse ano, a mãe de Jorge Careli, Maria de Almeida Careli, faleceu aos 95 anos.

 

Outros homenageados

 

Iniciando os trabalhos da mesa, a presidenta do Sindicato Nacional dos Trabalhadores e Trabalhadoras da Fundação Oswaldo Cruz, Michele Alves, destacou que a entrega da medalha em 2023 coincide com os 30 anos de desaparecimento de Jorge Careli e os 20 anos de morte do sanitarista Sérgio Arouca, que dedicou décadas da sua vida na luta pela construção de uma política que universalizasse a garantia a todos e todas a um acesso amplo, geral e irrestrito à saúde, resultando na construção do Sistema Único de Saúde (SUS), hoje uma referência mundial.

 

- Queria fazer uma reverência a alguns lutadores pelos Direitos Humanos que se foram esse ano como Mãe Bernadete, uma grande defensora das religiões de matriz africana e pelas tradições do povo quilombola. Temos de ter orgulho da nossa pluralidade”,  disse Michele.

 

Marcos Menezes, diretor da ENSF, fez uma ampla defesa dos trabalhadores do SUS e destacou que embora o país tenha estabelecido o retorno da democracia, outros desafios ainda estão em curso.

 

- É preciso dialogar com a sociedade pautas que, nos últimos 6 anos, se caracterizaram pelos retrocessos nas lutas sociais. Temos um Congresso que aprovou a PL do Veneno (sobre o uso indiscriminado de agrotóxicos comprovadamente prejudiciais à saúde humana) e a PEC do Plasma (que exige uma legislação específica para regulamentar a utilização de plasma humano para desenvolvimento de novas tecnologias e produção de medicamentos destinados ao Sistema Único de Saúde - SUS). Temos de estar nessas frentes de luta.- pontuou Menezes.

 

Além do Fórum Grita Baixada, foram homenageados o coordenador de cooperação social da Fiocruz, José Leonídio, a assistente social da creche da Fiocruz, Ivone de Souza, o escritor e jornalista Frei Beto, o jornal Voz das Comunidades, do Complexo do Alemão, Mãe Neide Oyá de Oxum e a Avico (Associação Brasileira de Vítimas da Covid-19).  

 

Alagoana de Arapicara e matriarca de 4 filhos, a Ialorixá Mãe Neide Oyá de Oxum, iniciou seus estudos religiosos na Federação Espírita Alagoana em 1981. Em 1988 orientada por sua líder espiritual, Vovó Maria Conga, abriu o Centro Espírita Santa Bárbara e começa a iniciação no candomblé. Com um grupo de costureiras de sua comunidade, abriu um pequeno ateliê de moda que produzia biquínis que eram vendidos nas praias de Maceió. Com a renda obtida, conseguiu comprar maquinário para a confecção de roupas que se transformou na grife Maria Farrapo. Ela também escreveu um livro de receitas Afro-ameríndias da Serra da Barriga (região onde localiza-se o Quilombo de Palmares), consagrando receitas tradicionais de povos pretos e indígenas de Alagoas, transmitindo conhecimento sobre a culinária do sagrado dos orixás e dos ancestrais negros e indígenas.

 

-“Queria agradecer aos meus ancestrais que construíram esse espaço e essa filosofia de vida que é amar ao próximo. Hoje que é dia de Santa Bárbara e de Iansã, orixá da democracia, da força da mulher brasileira. Viver no Brasil hoje é um grande desafio ainda mais sendo mulher preta e periférica, mãe de gay e lésbica e mãe de outras 200 pessoas que são meus filhos, além de ser mãe de santo e de candomblé. Nós já acordamos enfrentando o leão e a selva. Mas são momentos como esse que fortalecem meu povo. Vale a pena lutar e não desistir”, disse Mãe Neide.

 

Um dos momentos mais impactantes foi a presença de membros da Associação Brasileira das Vítimas da Covid19 (Avico), fundada em 08 de abril de 2021, no Rio Grande do Sul. O grupo traz entre seus eixos de atuação, o apoio psicossocial às pessoas enlutadas ou com familiares que contraíram a doença e apresentam sequelas graves. Diariamente, a Avico recebe pedidos de auxílio dos sobreviventes como alimentação especial, medicação, cama hospitalar, oxigênio, entre outros. Uma das homenagens foi para a assistente social gaúcha Paola Falceta, idealizadora da Avico.

 

- “Essa rede foi criada para que pudéssemos mostrar nosso rosto e não o nosso CPF. Nós temos nome, cor e temos afeto. Por mais que muitas vezes nos esmorecemos ao lutar por Direitos Humanos no Brasil, vendo todos esses grupos lutando há 10, 20, 30 anos, me encho de esperança”, disse a Falceta.  

 

Por último, mas não menos importante, foi a vez do mineiro Frei Beto. Escritor, autor de 74 livros sobre os mais variados assuntos, jornalista, ex frade dominicano e ex-assessor especial do presidente da República Luiz Inácio Lula da Silva entre 2003 e 2004 como coordenador de Mobilização Social do programa Fome Zero. Ele também foi um dos criadores da Central Única dos Trabalhadores (CUT).

 

- Toda vez que recebo um prêmio de direitos humanos, e já ganhei vários, eu me sinto numa situação ambígua. Por uma razão simples: eu sonho que não exista mais prêmios sobre Direitos Humanos. Nós temos que viver ainda essa condição de reconhecer lutas tão meritórias quanto as que foram apresentadas aqui e que me antecederam. (...) Uma vez me perguntaram quais as lutas pelos direitos humanos que existem na América Latina. Eu respondi: direitos humanos? Isso é um luxo. Infelizmente a maioria da população da América Latina ainda não conquistou “direitos animais”. Não há os direitos elementares como o direito à alimentação, à saúde, abrigar-se das intempéries, poder compartilhar afetos com os seus próximos.”, afirmou Beto, em seu momento de fala.  

 

Ialorixá Mãe Neide Oyá de Oxum, de Alagoas, uma das homenageadas pela medalha Jorge Careli

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O coordenador executivo do Fórum Grita Baixada, Adriano de Araujo