28 de outubro de 2024
Defensores de Direitos Humanos
Quatro sábados de muito aprendizado
Curso da Rede de Proteção Integral de Defensoras e Defensores na Baixada Fluminense (RPIDDH-BF) se encerra com percepções mais centralizadas sobre ativismo e militância.
Terminou na tarde do último sábado (19/10) em Nova Iguaçu, o Curso de Proteção Integral a Defensoras e Defensores de Direitos Humanos, da RPIDDH-BF, desenvolvido em parceria com o Fórum Grita Baixada. Ao todo, foram quatro encontros, sempre aos sábados, nos dias 14, 21 e 28 de setembro, e o já mencionado encerramento, no dia 19 de outubro.
A Baixada Fluminense, historicamente marcada por altos índices de violência e desigualdade social, se destaca pelo papel de defensores e defensoras de direitos humanos. Nesse contexto, surge a Rede de Proteção Integral para Defensoras e Defensores de Direitos Humanos na Baixada Fluminense (RPIDDH-BF), cuja missão é municiar com informações estratégicas a segurança e o trabalho contínuo dessas pessoas que atuam na linha de frente em prol da justiça social, proteção ambiental, igualdade racial, direitos das mulheres, LGBTQIA+, além de diversas outras causas.
Nos últimos anos, o aumento da atuação de milícias e a militarização do espaço público elevaram o risco de atuação para defensores e defensoras de direitos humanos. O enfrentamento a crimes ambientais, a luta pela regularização fundiária, a defesa dos direitos das populações vulneráveis, dentre outras causas, se tornaram ainda mais perigosos, uma vez que esses defensores frequentemente são vistos como obstáculos a interesses econômicos e políticos locais.
O curso desse ano foi divido em módulos. O primeiro foi uma introdução à proteção de Defensoras e Defensores de Direitos Humanos, onde foram apresentados os princípios da proteção integral e os participantes tiveram acesso às bases fundamentais dessa abordagem. O Módulo 2 tratou da Proteção Digital e Comunicação Segura, onde foram trabalhados os conceitos básicos sobre cuidados digitais, a sua importância para defensores de direitos humanos e algumas boas práticas de cuidados no ambiente digital e virtual.
No Módulo 3, foram discutidos as formas de cuidado e autocuidado entre ativistas, compartilhando-se conhecimentos para a prática de um cotidiano saudável e necessário para se auto-preservar diante de exigências e dificuldades impostas. No aspecto emocional, o desgaste psicológico é intenso. Muitos defensores precisam lidar com o constante medo de retaliações, ameaças de morte e intimidações contra suas famílias.
Já o Módulo 4, que fechou o ciclo de aulas do curso no último sábado, tratou, dentre outros assuntos, da Análise de Riscos, Mapeamento de Ameaças e Construção de Planos de Proteção, proporcionando aos participantes, ferramentas para construir planos de proteção personalizados, permitindo uma preparação para os desafios à sua segurança e proteção no cotidiano de suas lutas.
Contexto e conjuntura
Ainda sobre o Módulo 4, os quase 20 alunos e alunas presentes aprenderam que, antes de toda e qualquer análise de risco sobre determinada situação, é preciso compreender a conjuntura que permite a construção de determinadas situações. Um exemplo: ter em mente que políticas de segurança pública se refletem de maneira diferenciada em cada território e, dependendo do contexto, estabelecer de que forma os movimentos sociais vão se comportar diante disso.
- "A partir disso, você estabelece quais serão os objetivos de determinada luta, que tipo de atuação será necessária ou os riscos que dela podem surgir" - explica o facilitador que ministrou esse módulo.
Esse diagnóstico é atualizado frequentemente para que as ações não comprometam a vida dos envolvidos e garantam que o impacto do trabalho de defesa dos direitos humanos seja mantido.
Mas e os atores ou forças aliadas às Defensoras e Defensores de Direitos Humanos? Quem são eles? São facilmente identificáveis nos territórios? O facilitador explica que é preciso ter um "entendimento cirúrgico" sobre se determinados atores ou atrizes estão, de fato, interessados em proteger defensores de Direitos Humanos.
- "Se houver um direcionamento desconhecido ou disputas políticas ocasionais nos territórios que podem desequilibrar essa equação de forças, isso pode representar um risco". - diz o facilitador.
Interação com os cursistas
Ao se aproximar do final do curso, foi realizada uma mística que se consistiu em cada um dos ativistas dizer pequenas frases sobre o que sentiam ao se deparar com bandeiras e outras simbologias institucionais dos grupos, coletivos e movimentos ali presentes, repousadas em um grande pano com estampas coloridas. "Sem luta não há vitória", disse uma.
"Independente das lutas e dos lutos, não estamos sozinhos, estaremos sempre lutando pela Baixada Fluminense", disse uma outra cursista. "Estar aqui é como estar em paz", disse uma terceira cursista. Foi um momento para edificar as subjetividades.
Em seguida, distribuiu-se uma ficha avaliativa que foi preenchida pelos ativistas. Nela, continha algumas perguntas que buscavam avaliar o conteúdo do curso, os facilitadores, o ambiente, dentre outras questões. Uma delas referia-se a seguinte instrução: "Responda sim ou não e depois explique: Você sente que após o curso, assumiu mais fortemente a condição de defensora ou defensor de direitos humanos? Explique". Eis algumas respostas:
Dados sobre as pessoas inscritas.
De um total de 55 pessoas inscritas, 25 foram selecionadas. Vejam outros indicadores:
Faixa etária: Do total de selecionados, 21 estão na faixa etária entre 20 e 59 anos.
4 estão na faixa acima dos 60 anos.
Gênero: 5 inscritos se identificam como homens e 20 como mulheres
Raça e Etnia: Do total de 25 inscritos, 2 se identificam como amarelos, 1 como banco, 14 como negros e 8 como pardos.
Cidades: Das 25 inscrições, temos 10 de Nova Iguaçu, 4 de Queimados, 2 de Duque de Caxias, 2 de Belford Roxo, 2 de Japeri, e 1 inscrição em cada uma das seguintes cidades: (1) Paracambi, (1|) Guapimirim, (1) São João de Meriti, (1) Mesquita e (1) Rio de Janeiro.
Legado
A RPIDDH-BF nasceu em 2023, no Seminário de encerramento do Curso de Formação em Proteção Integral para Defensoras e Defensores de Direitos Humanos da Baixada Fluminense, tendo como estratégia a centralidade da proteção aos ativistas sociais na região fortemente marcada pela violência política e violações generalizadas aos direitos humanos. Na ocasião, o curso foi destinado a todas e todos que, em função de sua atuação, encontravam-se, de fato ou potencialmente, em contexto de intimidações, riscos ou ameaças.
No processo seletivo para a definição dos participantes do curso, foram priorizadas lideranças populares, negras e periféricas que atuassem na Baixada Fluminense, englobando mães e familiares de vítimas de violência de Estado, coletivos e movimentos negros, lideranças religiosas perseguidas e ameaçadas, coletivos LGBTQIA+, comunicadores populares, produtores de cultura das periferias, ambientalistas, assentados, pescadores, lideranças pelo direito à terra e moradia, quilombolas, lideranças políticas populares, ativistas e defensores de direitos humanos em geral.
A RPIDDH-BF é a primeira articulação de movimentos, ativistas e organizações de direitos humanos da região com o propósito específico da proteção integral de seus integrantes. Participaram desse processo de construção da RPIDDH - BF 31 lideranças, de 18 organizações e 8 cidades, com maioria feminina e negra e parda.
A Rede aglutina defensoras e defensores das mais variadas causas. Em 2024, a RPIDDH-BF busca fomentar a promoção e proteção integral das defensoras e defensores de direitos humanos na região, investindo em processos formativos e a capacitação em direitos humanos, além de estabelecer novas parcerias e efetivar o apoio emergencial a ativistas ameaçados ou em risco.