06 de julho de 2020

Por políticas públicas aos atingidos pela violência em Nova Iguaçu

Dois anos após audiência pública realizada por Fórum Grita Baixada, Diocese de Nova Iguaçu e Rede de Mães e Familiares de Vítimas de Violência de Estado na Baixada Fluminense, Câmara de Vereadores solicita, finalmente, ao prefeito da cidade que envie mensagem propondo políticas públicas para redução de homicídios

 

Demorou, porém mais um passo foi dado. No último dia 16 de maio, o vereador Carlos Chambarelli encaminhou à Câmara dos Vereadores, ofício indicando que o prefeito de Nova Iguaçu, Rogério Lisboa, apresente proposta de um Programa Municipal de Redução de Homicídios. Fundamentando a solicitação está a apresentação feita pelo Fórum Grita Baixada, em maio de 2018, na audiência pública realizada na Câmara Municipal por ocasião da Campanha da Fraternidade, cujo tema era “Fraternidade a Superação da Violência”, que contou com as participações do então bispo da Diocese de Nova Iguaçu, Dom Luciano Bergamin, do Coordenador Executivo do Fórum Grita Baixada (FGB), Adriano de Araujo e da representante da Rede de Mães e Familiares de Vítimas de Violência de Estado na Baixada Fluminense, Luciene Silva, entre outros. 

 

Além do Plano Municipal, o poder público será responsável por atendimentos psicossociais a mães e familiares de vítimas de violência. Atualmente, o único programa especializado nesse tipo de atendimento na cidade é realizado pelo NAPAVE (Núcleo de Atendimento Psicossocial a Afetados pela Violência de Estado), uma iniciativa que conta com o apoio do FGB e do Centro de Direitos Humanos de Nova Iguaçu, mas que a cada ano passa por um processo de renovação, pois se trata de um projeto social pontual e não uma política permanente de Estado. Outra peça que compõe a indicação é a criação de um fundo municipal que custeie as ações propostas.

 

Na ocasião da audiência, o Fórum Grita Baixada apresentou um panorama da violência de estado na Baixada e na cidade de Nova Iguaçu. Esta sistematização usou dados sobre os homicídios na Baixada Fluminense produzidos pelo Instituto de Segurança Pública (ISP), contribuindo para fornecer as dimensões da natureza peculiar desse tipo crime. Naquele ano, Nova Iguaçu respondia por 23% do total de letalidades violentas na região.  A esse programa, estariam incorporados o Fundo de Apoio Psicológico e Social a Mães e Familiares Vítimas da Violência que contaria com Núcleos de Atendimento Especializado em cada Centro de Referência Especializada em Assistência Social (CREAS). Os CREAS trabalham com pessoas em que a possibilidade de algum tipo de risco com vias de uma retirada de direitos se materialize mediante violência física, psíquica e sexual, negligência, abandono, ameaças, maus tratos e discriminações sociais.

 

Atendimento qualificado

Para Luciene Silva, uma das idealizadoras da Rede de Mães e Familiares Vítimas da Violência de Estado na Baixada Fluminense, a aprovação das propostas pelo Executivo é uma forma de atenuar as sequelas deixadas por um conjunto de territórios conhecido pela prática de chacinas e outras formas de execução sumária. Embora enxergue com esperança a possibilidade de aprovação efetiva do Programa, Luciene pede à prefeitura uma especial atenção aos técnicos dos CREAS. Ela se refere ao circuito de rodas de conversa a partir das exibições do documentário “Nossos Mortos Têm Voz” (produzido pela Quiprocó Filmes e apresentado por Fórum Grita Baixada) realizadas em alguns desses equipamentos públicos no ano passado.

 

Luciene destacou a perplexidade de alguns profissionais sobre as situações que envolvem os casos de violência letal. “É necessário que se tenha muita atenção e cuidado com essa especificidade de trabalho. A experiência dos técnicos precisa ser colocada como prioridade. São mães que perderam seus filhos, são familiares que perderam seus entes queridos e percebemos que alguns técnicos desconheciam essa realidade. Eles são aptos pela formação, assim como os psicólogos, mas eles precisam entender que é um público e uma realidade diferenciada em relação ao que estão acostumados a lidar. Como eles vão proceder sobre a morte do filho de uma mãe ou parente que esteja envolvido com o tráfico, por exemplo? Eles, vão saber lidar com a crueldade dos julgamentos morais que recaem sobre essas pessoas que já são crucificadas por suas famílias e comunidades? Isso tudo vai precisar ser revisto para que os atendimentos sejam feitos com responsabilidade”, diz Luciene.

 

Perguntado sobre a questão, o vereador Carlos Chambarelli disse que a prefeitura pensará nos eixos que nortearão a devida requalificação desses profissionais. “Estou confiante e creio que o prefeito Rogério Lisboa dará toda atenção necessária”, afirma o parlamentar.

 

Se for aprovado o Plano Municipal de Redução de Homicídios, a prefeitura de Nova Iguaçu pode ser precursora de uma política pública que, de fato, acolha vítimas da violência de Estado. Entretanto, pairam-se algumas dúvidas sobre como essa iniciativa vai ser aceita pela população, considerando as perspectivas conservadoras contrárias a defesa dos direitos humanos. Sobre isso, Chambarelli responde o seguinte: “Sem o controle da sociedade, mesmo sendo aprovado, o plano precisará da pressão para efetivação. Pensar a construção de um plano é um enorme desafio. Para além do debate, precisamos da formação e a informação”, diz Chambarelli.

 

Outras Vitórias

Ano passado, a prefeitura de Nova Iguaçu instituiu a lei municipal 4869/19 que insere no calendário oficial da cidade a “Semana de Luta de Mães e Familiares Vítimas da Violência”, a ser realizada anualmente sempre na última semana do mês de março. Com isso, segundo o texto que promulga a Semana, o Poder Executivo, “em parceria com organizações da sociedade civil, poderá realizar uma programação especial com a disponibilidade de locais públicos ou privados, encontros visando a conscientização da luta de mães e familiares vítimas da violência, resultando no fortalecimento das políticas públicas e culminando no atendimento psicossocial e na reparação de direitos”.

 

A Semana de Luta de Mães e Familiares Vítimas da Violência foi a primeira conquista do trabalho de incidência política do Fórum Grita Baixada e da Rede de Mães nas políticas públicas da cidade de Nova Iguaçu, já que também foi defendida na mesma audiência realizada em 2018. Na verdade, duas propostas já foram encaminhadas, a saber, a criação da Semana de Luta das Mães e Familiares e a construção de plano municipal de direitos humanos e a criação de um plano municipal de direitos humanos. O Fórum Grita Baixada vem participando do Grupo de Trabalho que vem pautando e organizando o processo de elaboração do Primeiro Plano de Direitos Humanos da cidade, conduzido pela Coordenadoria de Direitos Humanos da Secretaria Municipal de Assistência Social de Nova Iguaçu (Veja no box o conjunto das propostas feitas em 2018 pelo Fórum Grita Baixada durante a Audiência Pública na Câmara Municipal de Nova Iguaçu).

 

Conjunto das propostas apresentadas pelo FGB em 2018 na audiência Pública sobre a Superação da Violência

 

  • Mapear e incentivar Iniciativas Juvenis, de Cineclubes, Rodas de Hip Hop e outras Intervenções Culturais, de redes e grupos de Mulheres e organizações da sociedade civil que já fazem ações de superação a violência.
  • Construir um grande diagnóstico participativo municipal das diversas violências e violações;
  • Criar um Plano Municipal de Redução de Homicídios.
  • Elaborar um Projeto de Lei instituindo a Semana de Luta de Mães e Familiares Vítimas da Violência do Estado na Baixada Fluminense.
  • Aderir e Fortalecer o Programa Juventude Viva.
  • Criar um Plano Municipal de Direitos Humanos.
  • Revisitar e Retomar o Programa de Educação integral a partir de experiências de Escola Aberta a Comunidade.
  • Criar o Gabinete de Gestão Integrada e uma política de vídeo monitoramento.
  • Fomentar a Criação da Guarda Municipal na Perspectiva de uma polícia não militarizada e sem uso de amas letais.
  • Fomentar o debate na sociedade sobre uma Nova Política de Drogas.
  • Ampliar a Rede de Conselheiros Tutelares de Nova Iguaçu, oportunizando formação continuada e estrutura para funcionamento.
  • Fomentar a Criação de um Fundo de Apoio visando Reparação Econômica e Psíquica-Social de Mães e Familiares Vítimas da Violência do Estado em Nova Iguaçu.
  • Garantir a Efetivação do Decreto nº 5006, de 08 de março de 2004 que promulga o Protocolo Facultativo à Convenção sobre os Direitos da Criança relativa ao envolvimento de crianças em conflitos armados.
  • Garantir com empresas o cumprimento da Lei do Jovem aprendiz.
  • Ofertar Vagas em Creche de acordo com as demandas locais.
  • Ampliar e exigir o funcionamento da Política da Estratégia do Saúde da Família e monitorar para que o Programa não seja utilizado para fins eleitorais.
  • Criar Ações e Programas Integrados entre as Secretarias de Assistência Social e Direitos Humanos, de Educação, de Saúde, Cultura, Trabalho e Renda e Esporte e Lazer.
  • Fomentar o Mutirão da Superação a Violência com a realização mensal de ações governamentais em parceria com organizações locais em áreas mais vulneráveis da cidade, contando com a participação da Defensoria Pública e do Ministério Público.

 

Esperamos que a importância dessas medidas de apoio a mães e familiares de vítimas de violência não sejam diminuídas e usadas pelas disputas político eleitorais que ao fim, acabam usando da dor e da aflição das mães e familiares para perpetuação dos projetos pessoais de poder. Ao mesmo tempo, o FGB reconhece a importância de pautas como o Plano de Redução de Homicídios seja de fato transformado em realidade; um legado permanente para a cidade e seus cidadãos, especialmente da população negra, pobre e das periferias, as mais atingidas pela violência letal.

 

Leia também :

https://www.forumgritabaixada.org.br/nova-iguacu-incorpora-semana-de-vitimas-de-violencia-no-calendario  

WhatsApp Image 2020-07-03 at 15.10.40.jpeg

Da esquerda pra direita: subsecretária de Assistência Social e Direitos Humanos da prefeitura de Nova Iguaçu, Deise Marcelo, o bispo emérito de Nova Iguaçu, Dom Luciano Bergamin, o vice-prefeito Carlos Ferreirinha e o vereador Fernandinho Moquetá em audiência pública na Câmara dos Vereadores. Dezembro de 2019.