10 de junho de 2020
Educação
Plenos e podres poderes
Reitores e Vice-Reitores de universidades públicas podem ser escolhidos apenas por critérios políticos pelo ministro da Educação Abraham Weintraub
Sem qualquer justificativa plausível e sem nenhuma consulta prévia à comunidade acadêmica, o governo de Jair Bolsonaro, decretou, nessa quarta-feira (09/06), medida provisória que autoriza o ministro da Educação, Abraham Weintraub, escolher reitores temporários das universidades federais durante o período de pandemia. A MP atual não se aplica às instituições cujo processo de escolha dos reitores tenha sido concluído antes da suspensão das aulas presenciais. Ela vale para as universidades cujo mandado do reitor se encerre durante a pandemia.
Segundo o texto, a substituição se dará "de forma temporária". Alegando "enfrentamento da emergência de saúde pública de importância internacional decorrente do coronavírus", o dispositivo cita "restrição de atividades ou separação de pessoas suspeitas de contaminação das pessoas que não estejam doentes". Com isso, segundo a MP, o governo pode colocar pessoas de sua inteira confiança nesses cargos, de forma absolutamente antidemocrática.
Embora ainda deva ser encaminhada ao Congresso Nacional para a sua aprovação em, no máximo, de 120 dias, a Medida Provisória caiu como uma bomba entre especialistas em Educação, professores, alunos e opinião pública. Pelo menos dois pontos são considerados problemáticos: O fato dela fornecer condições para que a decisão das substituições de reitores e subreitores sejam feitas de forma unilateral pelo Ministério da Educação, num momento em que todas as atenções se voltam às questões sanitárias em função da pandemia de coronavírus. E o argumento, baseado na "restrição de atividades ou separação de pessoas suspeitas de contaminação das pessoas que não estejam doentes", presente na lei Nº 13.979/ 2020. Nesse caso, há uma distorção entre medidas sanitárias e políticas educacionais objetivando aparelhar ideologicamente a Educação pública no país.
A opinião de quem pertence às universidades públicas
Fórum Grita Baixada procurou alunos eprofessores de algumas instituições de ensino públicas para que comentassem as determinações da polêmica Medida Provisória.
Michel Magalhães, advogado e mestrando em Antropologia pela Universidade Federal Fluminense disse que no momento atual onde há a disputa pela realização do ENEM e a manutenção dos calendários acadêmicos suspensos em decorrência da pandemia, esta medida permite colocar pessoas alinhadas com os discursos e projetos vindos do executivo federal sem que estes, no entanto, passem pelo crivo das eleições realizadas dentro desses institutos.
“Se já não bastasse a intensa propaganda que vinha sendo realizada pelo MEC, totalmente alienada quanto às reais condições materiais da população brasileira, para defender a realização do ENEM em detrimento de milhares de estudantes pretos, pobres e periféricos, agora, o governo ataca novamente a forma de nomeação dos reitores e vice-reitores. Há uma busca para construir uma ponte direta entre seus anseios e as Universidades, Institutos Federais e o Colégio Pedro II”, afirma Magalhães.
Pedro Barreto, técnico-administrativo da Universidade Federal do Rio de Janeiro, afirma que os servidores públicos, repudiam esta e qualquer outra iniciativa de ataque à autonomia e à Educação pública, gratuita, laica, democrática, autônoma e de qualidade.
“Isto, infelizmente, tornou-se o modus operandi do atual governo. Mas haverá luta e resistência sempre e quando for necessário. Como servidor de uma universidade pública, não posso considerar legítima qualquer medida autocrática que fira a autonomia universitária, garantida no artigo 207 da Constituição Federal”, disse Barreto.
Segundo o artigo, “as universidades gozam de autonomia didático-científica, administrativa e de gestão financeira e patrimonial, e obedecerão ao princípio de indissociabilidade entre ensino, pesquisa e extensão”.
Já a professora Lilian Barbosa, moradora de Japeri, e pesquisadora do Programa de Pós Graduação em Serviço Social da UFRJ lembra que, no tocante à universidade e produção do conhecimento científico, pode-se perceber ações que atravessam e dificultam as instituições públicas de ensino, ao legitimar um processo de privatização das mesmas. Ela lembra, inclusive, do projeto “Futura-se”, programa do MEC com o objetivo de incentivar as universidades federais a captarem recursos privados.
“Há anos, a educação pública vem sofrendo ataques, congelamentos dos gastos como a PEC do fim do mundo. Todavia, as instituições vêm funcionando com orçamento baixo. Isto incide em não ter concurso público e uma educação voltada para o mercado, além da implementação de distorções pedagógicas como Educação à Distância e ensino remoto, colaborando para aumentar mais ainda as desigualdades entre ricos e pobres nesta sociedade capitalista em colapso”, afirma Lilian.
Em vídeo postado hoje (10/06) nas mídias sociais, o deputado estadual Waldeck Carneiro, presidente da Comissão de Educação da Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro, disse que o ministro Weintraub é um “inimigo das universidades, da educação pública”. Ele disse que a MP é “mais um estupro do governo fascista à Constituição”.