08 de maio de 2020
Quem tem fome, tem pressa
Viva Rio e Fórum Grita Baixada unem forças no apoio a organizações da Baixada Fluminense
que estão garantindo o acesso de famílias a cestas de alimentação
Texto: Adriano de Araujo (Coordenador Executivo do Fórum Grita Baixada).
Fome, desemprego, redução drástica de renda, são alguns dos efeitos mais perversos das necessárias medidas de isolamento social que os governos foram obrigados e adotar para tentar conter a rápida expansão das mortes causadas pela pandemia do coronavírus. Com o fechamento de escolas públicas, crianças que normalmente almoçavam nas unidades escolares, passaram a depender exclusivamente das condições familiares para garantir diariamente a alimentação, agravando suas condições de vida. Essa realidade torna-se ainda mais cruel quando atinge famílias já empobrecidas e desassistidas por políticas públicas de transferência de renda e de assistência social.
Visando atender essa população, a Viva Rio e o Pérolas Negras criaram a iniciativa SOS Favela: Rede Solidária Contra o Coronavírus. Com a ação, é estabelecido um canal de distribuição de alimentos e itens essenciais para famílias moradoras de favelas e outras periferias. A ajuda consiste em cestas, com itens de alimentação e higiene, no valor de R$ 55,00 mensais, por um período de cinco meses.
O fornecimento ocorre nos mercados das comunidades, apoiando com isso os pequenos e médios comerciantes. Moradores cadastrados pelos núcleos buscam os produtos nesses mercados, que são pagos por transferência bancária bastando apresentar as notas fiscais que registram o CPF dos beneficiários. O valor integral dos recursos vai para subsidiar as famílias na obtenção das cestas.
A meta da Viva Rio é beneficiar 30 mil famílias e entregar 120 mil cestas básicas entre abril e julho deste ano em diversas cidades do Estado do Rio. Na Baixada Fluminense, o Fórum Grita Baixada foi procurado pelo presidente da instituição, Sebastião Santos, para ser a organização social facilitadora e “ponte” entre a Organização Não Governamental e as diversas organizações sociais da Baixada.
Atualmente, onze cidades da Baixada Fluminense estão sendo contempladas, reunindo 47 núcleos (a grande maioria formada por organizações sociais, mas há também inciativas de moradores sem vínculo organizacional) cada um com capacidade para atender até 50 famílias. Para Tião Santos, a avaliação em relação ao que foi estipulado como meta para a campanha é boa, ultrapassado o objetivo inicial, que era de 20 mil famílias atendidas no mês de abril. Na verdade, foram quase 30 mil. Isso significa que as doações efetivamente chegaram às famílias e demonstra o engajamento do trabalho e da rede.
Sobre a parceria com o Fórum Grita Baixada, Tião Santos explica que ela ocorre desde as primeiras mobilizações, ainda com o Reage Baixada após a triste Chacina da Baixada Fluminense, ocorrida em 2005.
“Graças ao trabalho eficiente da equipe que está à frente hoje, percebemos que houve uma capilaridade muito grande do Fórum Grita Baixada com lideranças confiáveis, entidades, organizações e coletivos da Baixada Fluminense. O segredo dessa campanha é você ter uma rede grande, que possa chegar em lugares onde muitas vezes instituições não podem ir. E é preciso ter confiabilidade para isso dar certo. Isso nos levou a estreitar a parceria com o FGB”, diz o presidente da Viva Rio.
A PERSPECTIVA NAS CIDADES
Ana Félix, liderança social responsável pelo Núcleo formado no Morro do Sossego e integrante da organização social MALOCA – ATADOS, um coletivo de mulheres pobres, negras e periféricas de Duque de Caxias, afirma que com a parceria, está atendendo a 50 famílias do bairro: “Essa ação foi fruto da parceria do Fórum Grita Baixada e Viva Rio, onde numa estratégica de valorização e respeito ao comércio local, adquirimos 50 cestas do comércio local (Mercado Cambuci), o qual ficou responsável pela embalagem e entrega das cestas na nossa sede”. Ana fez questão de ressaltar o voluntariado que permitiu a efetivação do trabalho:
“Agradecemos mais uma vez aos parceiros, os funcionários do mercado, pelo empenho e compromisso, aos voluntários, que desde cedo nos auxiliaram com cadastro e distribuição das cestas básicas e aos amigos por acreditar no nosso trabalho e nos indicar para fazer parte dessa rede de solidariedade, em especial, a amiga Debora, do Programa Sim, Eu Sou do Meio, que está conosco desde o início das nossas atividades. Gratidão”, diz Ana.
Para Letícia Oliveira, da direção da Casa de Cultura, em São João de Meriti, uma das organizações da cidade que integra essa rede de solidariedade, iniciativas como essa promovidas pelo Viva Rio e apoiadas pelo Fórum Grita Baixada são fundamentais para garantir a vida com qualidade de milhares de famílias, sobretudo, em áreas de vulnerabilidade social como na Baixada Fluminense. Isso tudo, sem deixar de lutar e cobrar do poder público que cumpra seu papel.
“Na dia 30 de abril, no Dia da Baixada, fizemos a entrega das cestas as famílias cadastradas, e foi perceptível no olhar de cada pessoa contemplada, como a solidariedade e a empatia são essenciais no enfrentamento a essa ameaça do coronavírus”, diz Letícia, que também fez questão de agradecer ao mercado Rede Carioca, situado na Praça da Bandeira, que topou prontamente a parceria e montou as cestas solicitadas, e aos funcionários da Casa da Cultura, Anderson, Marcos Paulo e Yuri que ficaram, com muito carinho e paciência, durante todo processo de entrega das cestas.
Ilsimar de Jesus, da Rede de Mães e Familiares da Baixada Fluminense e responsável pelo Núcleo da Vila São João, em São João de Meriti, conseguiu uma parceria com o supermercado Alfa e Ômega, da Rede Economia do Jardim Íris e também conseguiu garantir o acesso a cestas para 50 famílias.
Jô, liderança social da localidade Km 32, periferia de Nova Iguaçu e responsável pelo núcleo que também atende os bairros de Prados Verdes e Conjunto da Marinha, disse esperar que “Deus continue dando força, sabedoria, saúde e ânimo pra continuar fazendo esse trabalho lindo de fazer o bem sem olhar a quem”. Ela parabeniza a todos os que estão na linha de frente, que não medem esforços pra nos ajudar a ajudar pessoas, famílias e comunidades.
Débora do Espírito Santo, do projeto social “Sim, Eu Sou do Meio” afirmou como é importante ter organizações como o Fórum Grita Baixada olhando para a Baixada Fluminense, principalmente Belford Roxo: “E saber que não estamos sozinhos neste tempo tão desafiador”, afirma Débora.
Ana Paula Sales, da Associação de Mulheres de Itaguaí Guerreiras e Articuladoras Sociais – AMIGAS, organização que já atuava fortemente por ocasião das intensas chuvas do início do ano, viu-se obrigada a dar suporte às famílias. Centenas delas ficaram desabrigadas ou perderam todos os seus móveis. As que conseguiram permanecer em suas habitações, vivenciando um cotidiano de condições insalubres, também ficaram sem trabalhar e mais suscetíveis ao contágio pela COVID19.
A missão da AMIGAS passou, então, a dar suporte aos moradores próximos dos valões da cidade e também para aqueles que moram as margens da linha férrea. Foi nesse contexto que ela expressou enorme satisfação ao começar a conhecer e participar do Fórum Grita Baixada, se vendo no meio de um grupo de voluntários, de pessoas engajadas e com o projeto SOS Favelas. Setenta famílias foram atendidas pelo Núcleo, sendo providencial essa garantia das cestas básicas nesse período emergencial. “É um folego de esperança na luta contra o COVID 19 em Itaguaí”, disse Ana Paula.
De acordo com Tião Santos, a perspectiva é que a parceria perdure por mais três meses, sendo que maio e junho já estão garantidos. “Isso dependerá da disponibilidade de mais pessoas contribuindo com essa missão. A distribuição das cestas não será feita apenas de forma física, mas também através de tíquetes-alimentação que serão aceitos nos estabelecimentos comerciais.
OUTRAS FRENTES DE AÇÃO
Além desta parceria com o Viva Rio, o Fórum Grita Baixada criou um formulário on line para que iniciativas como essas possam ser cadastradas e assim passem a integrar um catálogo (Lista de Iniciativas na Baixada Fluminense - COVID - 19) reunindo um só material todas as ações na Baixada Fluminense. Este material é organizado por cidade e bairros e objetiva facilitar o apoio as organizações que vem assumindo um papel de grande importância no enfrentamento dos problemas causados pelo isolamento social.
Outra frente vem de esforços de articulação e incidência política para cobrar das autoridades políticas a garantia de funcionamento dos hospitais de campanha na região. Com o lançamento do hospital de campanha de Duque de Caxias e com o de Nova Iguaçu previsto para ser inaugurado nos próximos dias, há o receio que ambos não funcionem com sua capacidade máxima, em decorrência da falta de insumos, equipamentos e recursos humanos. Ao mesmo tempo, exige-se que São João de Meriti, cidade densamente povoada e apontada pela Fundação Perseu Abramo como a cidade mais vulnerável a expansão da COVID 19 sedie também um hospital de campanha, oferecendo melhores possibilidades de atendimento de emergência.