5 de outubro de 2020
Juntos pela democratização do Direito
Fórum Grita Baixada firma parceria com o escritório de advocacia Cândido Sankofá na promoção de serviços de orientação jurídica gratuita para populações vulnerabilizadas.
Fórum Grita Baixada fechou uma parceria inédita. Irá fomentar e buscará ampliar o serviço de orientação jurídica gratuita oferecida pelo escritório de advocacia Cândido Sankofá. A equipe, formada por advogados e advogadas, atuará em situações em que haja a detecção de alguma forma de ilegalidade, incluindo erros judiciais e crimes de discriminação e injúria racial, embora esteja apto a trabalhar em todas as áreas do Direito. Diante do racismo estrutural e da desigualdade socioeconômica, essa parcela da população raramente consegue obter esse tipo de serviço. E o mais importante, com a condução de profissionais comprometidos com a luta antirracista.
As pessoas interessadas deverão entrar em contato pelo aplicativo whatsapp através do número (21) 99819-6212, relatando o caso que necessita de orientação. O escritório faz uma triagem e encaminha o relato para um dos seis advogados e advogadas do escritório. Em seguida é agendada uma videoconferência entre a pessoa interessada e o profissional do Direito, eliminando os custos de transporte e deslocamento e agilizando o atendimento. Feita a orientação, na impossibilidade de contratação de representação, poderá ser feito encaminhamento para a Defensoria Pública. Desde o início da pandemia do COVID – 19, o escritório oferece orientação jurídica gratuita via vídeo conferência. Já foram mais de 1026 famílias negras e periféricas atendidas, promovendo acesso a direitos no período que o mundo parou e as violações estruturais foram aprofundadas.
Eliminar a burocracia jurídica e institucional para a população periférica da Baixada
Para Bruno Cândido, proprietário do escritório e criador do projeto de orientação jurídica gratuita, as expectativas de parceria com Fórum Grita Baixada são as mais promissoras possíveis. A possibilidade de alcançar um público amplo, apostando na credibilidade e seriedade de ambas as organizações foi o elemento norteador para as boas perspectivas desse trabalho em conjunto. As demandas da Baixada são de natureza coletiva e estrutural. Por conta disso, há a necessidade de uma atuação genérica para a coletividade, o que só pode ser feita pelo Ministério Público que, por sua vez, segundo a análise de Bruno Cândido, não consegue alcançar algumas demandas, principalmente as que envolvem direito antidiscriminatório.
“Dessa forma, o escritório vai dar um passo além da burocracia jurídica e institucional através da legitimidade que o Fórum Grita Baixada tem enquanto instituição social e pelos anos de atuação na Baixada Fluminense. Seria uma ampliação de nosso leque de atuação, da área de especialização que o escritório possui e que não é clássica no âmbito do Direito. É o que nós chamamos de uma advocacia para vidas”, diz Cândido.
Quem também recebeu com entusiasmo essa notícia foi a ativista de Direitos Humanos, Marilza Barbosa. Representante de alguns coletivos e organizações como a Rede de Mães e Familiares Vítimas da Violência de Estado da Baixada Fluminense, Movimenta Caxias e a Frente Estadual pelo Desencarceramento, assim como o próprio Fórum Grita Baixada, Marilza reconhece que falar sobre direitos para a população negra, pobre e periférica da Baixada é, ainda, uma tarefa bem difícil.
“A dificuldade existe porque quase ninguém sabe que direitos possui e como são violados todos os dias. A questão do encarceramento, que prende muito mais pessoas negras, quase não é falada. Vai ser importante contar com o escritório, pois as pessoas estão desamparadas com a falta desse tipo de informação. Será mais uma ajuda para combater o encarceramento em massa que também é um produto do racismo estrutural. Tenho certeza que a população da Baixada vai se ver acolhida”, comemora Marilza.
Um pouco sobre a história do Escritório Cândido Sankofá de Advocacia
As sucessivas notícias sobre prisões de caráter racial, sempre proporcionaram um gosto amargo para o advogado, amplamente reconhecido pelo seu ativismo e militância pela democratização do Direito. Ilegais e injustas em sua avaliação, essas prisões faziam parte de seu cotidiano quando presidia a Comissão de Igualdade Racial da OAB, de Nilópolis. Após sua saída, a procura por suas orientações foi quase que imediata. Com isso, Bruno Cândido observou a necessidade de migrar da advocacia racial para uma advocacia antidiscriminatória, possibilitando, com isso, o diálogo com temas tais como gênero, regionalidade, questões etárias e todas as outras demandas enquadradas num sistema de desigualdade na Baixada Fluminense e no Brasil como um todo.
“Comecei a atuar nos casos de prisão racista. Percebi a repercussão que eles tinham, pois houve um reconhecimento por essa representatividade, já que conseguimos restabelecer a liberdade de pessoas injustamente presas. Pode-se de dizer que, hoje em dia, há uma especialização por essa perspectiva dentro da advocacia criminal. O escritório tem foco nas necessidades da população negra”, diz Cândido.
As pessoas atendidas pela Cândido Sankofá Advocacia são predominantemente as vulnerabilizadas, atingidas pelas características de desigualdade no Brasil, cujos alguns vetores passam pelas questões de raça, gênero, regionalidade, religiosidade, orientação sexual, etc. Exemplos de um multiculturalismo que configura seus aspectos de identidade e pertencimento. Para Cândido, é tudo uma questão de consciência. É a construção de um conhecimento coletivo sobre direitos básicos, rompendo com a naturalização das violações desses direitos, além da necessidade de se estabelecer uma consciência racial.
Racismo, antirracismo e problemas históricos do Direito Penal
Para Bruno Cândido, falar sobre o histórico racial do Direito Penal na Baixada Fluminense é descortinar os aspectos de um sistema de justiça burguês, classista e machista mas que, acima de tudo é uma das rodas dentadas que compõe a máquina de moer carne, especialmente a negra, do racismo estrutural. Cada cláusula, artigo ou parágrafo que compõe a legislação penal brasileira, traz em si a nódoa da escravidão, pois a partir dela é que um conjunto de leis foi criada para controlar os socialmente indesejáveis ou subalternos. Baseado nessa premissa, e considerando os exemplos recentes de resistência antirracista que têm se configurado em vários cenários e arenas ao redor do mundo, será que estamos em vias de iniciar um processo mais justo e democrático no que se refere a garantia de direitos e ao sistema de justiça para a população negra, pobre e periférica? Ou ainda há muito a ser feito no Judiciário?
Ao ser perguntado sobre isso, Bruno Cândido afirma que sim. Um contraste que pode ser observado, segundo a sua interpretação, são os avanços de outros grupos vulnerabilizados, que possuem amparos mais significantes em termos de representatividade legal.
“O judiciário criou um microssistema de proteção à mulher e idosos e um processo político de conscientização da sociedade e dos agentes envolvidos. Há inclusive lei que respalda a preferência de que mulheres sejam atendidas por mulheres em vários casos. O que é muito bom e eficaz pela valorização coletiva. Mas, não se observa o mesmo tratamento nas demandas da população negra. Os critérios de discriminação são semelhantes a mulheres e negros. Mesmo com indicadores do racismo, o judiciário ainda está longe de fazer uma normalização antidiscriminatória entre os grupos”, afirma Cândido.
Ao ser indagado se há um olhar mais qualificado e crítico sobre o racismo e a importância de iniciativas antirracistas, o advogado responde que considera que o olhar do outro e a alteridade, são fundamentais para reduzir danos da violência racial, através da visibilidade da população negra e suas dores.
“Estruturas que formam narrativas políticas, como a mídia oficial, têm o poder de transformar o imaginário social e devolver e significar valores removidos da população afro-brasileira. Essa construção de visibilidade negativa nas violações e positiva nas identidades e cidadanias é processo relevante na forma como o Brasil passará a valorar procedimentos de ações afirmativas e combate ao racismo institucional e individual na área da letalidade contra pessoas negras, por exemplo”,
Por fim, uma reflexão acerca dos principais problemas do Direito Criminal. Principalmente os que contribuem para a população negra ser estereotipada dentro dos processos de sujeição criminal. Para Bruno, há um em especial: a desconsideração da dignidade através do processo de negativação. Ou seja, um Estado que promove exceções aos direitos fundamentais só o faz porque é também promotor da ausência de cidadania.
“É necessário desumanizar, remover a comoção social da agressão de humanos com o selo de inumanos. O mesmo processo escravocrata, mas com sofisticação. Basta um olhar detido sobre a atividade policial histórica na Baixada Fluminense, em suas memórias genocidas para compreender que ao morador, em especial o negro, não são concebidos direitos fundamentais decorrentes de sua cidadania. Pois em alguns casos, o “cidadão”, principalmente o pagador de impostos, também pode denotar um privilégio”, conclui o especialista em Direito.
Um pouco mais sobre Bruno Cândido
Advogado, especialista em direito antidiscriminatório e criminal, mestrando em Sociologia e Direito – UFF. Pós-Graduado em Direito e Processo Penal e Criminologia - UCAM. Foi Presidente da Comissão de Equidade Racial, Intolerância Religiosa e Formas Correlatas na OAB Nilópolis. Foi delegado na Comissão de Segurança Pública e Drogas da 24° Subseção OAB Nilópolis. Fundador da Justiça Negra - Luiz Gama e Presidente da Comissão de Igualdade Racial da Associação Brasileira de Advogados Criminalistas.
A equipe do Escritório Cândido Sankofá Advocacia
Amanda Rocha, nascida em Santa Cruz e criada no Lins de Vasconcelos ambos no Rio de Janeiro. Filho de mãe solo e a caçula de 3 irmãos. Após prestar vestibular e alcançar bolsa de estudos integral, graduou-se em Direito pela Universidade Veiga de Almeida. Participou da turma de Estudo e Formação do Sistema Interamericano de Direitos Humanos, enquanto estagiária da Defensoria Pública do União. Com 4 anos de experiência como estagiária no setor jurídico empresarial, atuou nos setores de direito imobiliário, contratual e de gestão/ prevenção de crises como membro de célula pré-litigiosa.
Luciana de Araujo Bezerro, 35 anos, nascida e criada em São João de Meriti, filha de cabeleireira e instalador de água. Iniciou o curso em Direito em 2005, na Universidade Estácio de Sá (UNESA) através do Programa FIES, época que trabalhava em uma gráfica no horário noturno, e cursava Direito no turno vespertino. Após o 5° período, conseguiu estágio no Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro. Foi aprovada para concursos de estágios na Procuradoria Geral de Estado - PGE, na Secretaria Estadual de Fazenda e na Defensoria Pública da União. Tendo, na maioria das vezes, que trabalhar em pelo menos em dois estágios simultaneamente. Após formada em 2010, atuou na área Cível obtendo em 2014 Pós Graduação Lato Sensu em Direito Civil e Processo Civil. Em 2016 se apaixonou por Direito do Trabalho onde cursou pós-graduação em Direito do Trabalho e Processo do Trabalho. Entende que a Justiça do Trabalho é essencial para proteger os direitos dos trabalhadores e trabalhadoras, em especial a população negra e periférica, principal vítima do retrocesso dos direitos trabalhistas.
André Crespo Machado, 29 anos de idade, nascido em Campos dos Goytacazes, interior do Estado do Rio de Janeiro, filho de empregada doméstica e mecânico de bicicletas, iniciou o curso de Direito na Universidade do Estado do Rio de Janeiro - UERJ, onde defendeu em sua conclusão a monografia, intitulada "Um Peso, Duas Medidas: A Evolução Constitucional, os Privilégios Concedidos ao Cristianismo e a Ausência de Asseguramento da Liberdade Religiosa aos Praticantes de Espiritualidades Africanas. Visou analisar a evolução do Direito Constitucional brasileiro e como o mesmo beneficou em particular o catolicismo, demonstrando-se indiferente às religiões de matriz africana.
Lucas Gonzaga é estagiário do Cândido Sankofá Advocacia desde agosto de 2019. Nasceu no Rio de Janeiro, porém foi criado no Baixada Fluminense. Começou a faculdade de Direito aos 18 anos, e já no segundo período, iniciou seu caminho profissional no Direito fazendo conciliação voluntária na vara da família de Nova Iguaçu. No quarto período, conquistou seu primeiro estágio remunerado, onde aprendeu o funcionamento do processo civil e a peticionar além de ter relações interpessoais com os clientes do escritório.
Amanda Rocha
Luciana de Araujo
André Crespo
Luiz Gonzaga