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28 de fevereiro de 2020

Fórum Grita Baixada faz sua primeira reunião pública em Nova Iguaçu

Subsede do Conselho Regional de Psicologia da Baixada Fluminense acolhe evento que contou com

a participação de lideranças sociais e parlamentar da Alerj.

 

 

No dia 17 de fevereiro o Fórum Grita Baixada (FGB) realizou a sua primeira reunião aberta mensal de 2020. Para abrir as atividades de um ano que promete ser agitado no campo político-partidário, o tema a ser debatido não podia ser outro senão as eleições. Com a intenção de fornecer um termômetro sobre o que vem pela frente, o FGB convidou três lideranças, cada um dentro de sua especifidade de atuação, para compartillharem uma breve análise de conjuntura da Baixada Fluminense nesse ano de pleito municipal. A Yalorixá Conceição DiLissá, sacerdotisa de matriz africana, o jovem Wesley Teixeira, do RUA – Juventude Anticapitalista e Pré-Vestibular + Nós e Movimenta Caxias, e o deputado estadual Waldeck Carneiro. Os três debateram as eleições na região sob a perspectiva dos Direitos Humanos e a Segurança Pública.       

 

A mãe de santo Conceição DiLissá traz em sua trajetória, uma luta quase diária contra o racismo religioso. Em 2014, o segundo andar do barracão Kwe Ceja Gbé foi incendiado em Duque de Caxias na noite do dia 26 de junho. O ocorrido foi registrado numa delegacia de polícia da cidade. Não foi o primeiro caso de violência que a casa sofreu. Esse teria sido o sexto atentado contra a casa e sua dirigente, que também foi vítima de uma tentativa de homicídio.

 

“Deram tiros no meu barracão e nenhuma patrulha veio investigar, garantir a minha segurança, a dos meus filhos e a de quem quisesse chegar lá. Hoje nos perguntamos para quem é essa Segurança Pública? Na verdade, a grande maioria de nós é vítima dessa política de segurança. Temos de ser beneficiados por ela. As ações nessa área não são voltadas para nosso bem estar. Quando se fala de melhorias de Segurança Pública só se fala em botar mais policiais e esculachar a minha favela. É um direito que todos têm direito, mas todo o dia se rasga a Constituição e ninguém faz nada”, disse a sacerdotisa no encontro promovido pelo FGB.  

 

Ela relatou que não apenas os adeptos que fazem parte da comunidade sofrem perseguições dessa natureza. O próprio neto de Conceição também foi proibido de entrar na escola em que estuda porque estava com suas vestes de preceito. “Isso nós sofremos todos os dias. Eu não posso ir à rua e acender uma vela”, disse Conceição.

 

Ela também disse, focando mais especificamente sobre a relação de forças que constituem o atual cenário político, que “estamos sob a égide de forças paramilitares e organizações criminosas que se comportam como uma coisa só. Somos metralhados não apenas com armas, mas com boatos sobre a nossa fé e restrições a nossa liberdade de pensamento”. Segundo a religiosa, é preciso entender como funciona o processo político-partidário em todas as suas nuances. “Pois temos representantes vindos de comunidades de outras tradições religiosas que através de seus rebanhos fazem com que só se vote o que eles querem. O racismo religioso está inserido nessa política e estamos vendo essa produção deles, através da necropolítica. A educação, a saúde e a cultura são atacadas de todos os lados. Hoje precisamos perceber que a religião e a política estão nos matando”, disse Conceição, encerrando sua fala.

 

“Viver na cidade e não morrer nela”

Wesley Teixeira é morador do Morro do Sapo em Duque de Caxias. Comunicador, evangélico, militante dos Direitos Humanos, é também colunista da Folha de São Paulo, onde assina com mais 4 ativistas a coluna Perifa Connection. Sua fala permeia diversos problemas vividos pelas comunidades periféricas da Baixada. Ambientais, religiosos, sociais e econômicos, em sua maioria. Wesley Teixeira salientou os ataques desencadeados contra a democracia, em especial pela extrema direita a instituições de ensino com a UERJ, a “primeira a aceitar cotas para negros” como lembrou.

 

“Estamos vivendo uma espécie de época do “entre”. O que foi está em decomposição e o que será ainda não se apresentou. Há um entre geracional, de pessoas mais antigas que viveram a ditadura civil militar, uma geração intermediária, que incorpora a posse de Lula, além de um crescimento urbano que se intensificou nos últimos 30 anos. Também tem uma geração que se aproximou muito mais da tecnologia (celulares, mídias sociais) fazendo-se valer uma série de discursos em que se caracteriza o ódio pelas minorias e um inflamado discurso pela reforma do Estado. E para se fazer essas reformas, eles precisaram derrubar uma série de governos progressistas, especialmente na América Latina”, analisa Teixeira.  

 

Concordando com a fala de Conceição, o jovem diz que há um avanço da necropolítica, um modelo teórico-metodológico desenvolvido pelo filósofo camaronês Aquiles Mbembe, em que a política de morte tutelada pelo Estado, que mata tantos negros e pobres, é sustentada pelo racismo. Teixeira ainda faz menções às jornadas de junho de 2013, época em que todo o cenário político-partidário entrou em colapso.

 

“Naquela época tivemos um sentimento de indignação generalizada no Brasil e no mundo que começa a entrar em disputa. A direita infelizmente canaliza melhor essa indignação em articulação com a juventude, através de movimentos como o MBL (Movimento Brasil Livre) e o Vem Pra Rua. Nós não sabemos responder aos ataques de Fake News (notícias falsas) e ao uso mais politicamente instrumentalizado das novas tecnologias. Questões como direitos humanos, machismo, racismo, homofobia e lgbtfobia não chegaram ao povo e são a base de nosso país”, continua.

 

Teixeira afirma que é preciso fortalecer uma ampla unidade de esquerda, mas sem abandonar a luta antirracista. Para isso, ele sinaliza três possibilidades ancoradas na liberdade: 1) liberdade para ser quem você é; 2) liberdade para direitos 3) liberdade para proposições. Como exemplo, afirma que qualquer território precisa respeitar a vida de quem nele vive. Precisamos de um projeto de cidade para mudar subjetividades, como viver melhor na metrópole e não como vamos morrer nela”, avalia o ativista.

 

“O Estado brasileiro deve proteger os ativistas de Direitos Humanos”  

Waldeck Carneiro é deputado estadual pelo PT, ex-vereador por Niterói, ex-Secretário de Educação, Ciência e Tecnologia e ex-diretor da Faculdade de Educação da UFF. Contemplando uma análise de conjuntura mais orgânica, porém não menos complexa, o parlamentar afirmou que há uma ofensiva conservadora, obscurantista e reacionária, pautada nas questões mais moralistas. As eleições de 2018, segundo sua avaliação, foram construídas através de características bem peculiares e que se mantêm até hoje: ao contrário do que aconteceu nos anos anteriores, não houve um debate sobre a macroeconomia.

 

“Importações, privatizações, estabilidade econômica, inflação. Tudo isso, que foi discutido por anos, simplesmente desapareceu ou teve um papel muito secundário nas eleições daquele ano. Direitos Humanos, Segurança Pública, Corrupção, Lavajatismo, Moral e Bons costumes. Esses foram os pontos em destaque. O Rio de Janeiro se transforma numa espécie de capital do Bolsonarismo”, afirma Carneiro.

 

Para o parlamentar, se mantida a tendência das últimas eleições o pleito eleitoral deste ano irá girar em torno de três pilares: combate a corrupção (e não o combate a desigualdade econômica, racial e de gênero); pauta moral e de costumes na perspectiva reacionária; Debate político centrado no binômio violência versus segurança.

 

Sobre a ascensão da extrema direita no país, Carneiro afirma que a incrustação da milícia no Estado brasileiro é um dos problemas mais graves da história da República, que se caracteriza notadamente pela presença concreta de representantes das forças paramilitares em praticamente todas as esferas de poder: Executivo, Legislativo e Judiciário.  

 

Um dos desafios apontados pelo deputado se detém em como os partidos de esquerda na Baixada Fluminense vão se comportar frente aos casos de intolerância religiosa, principalmente em locais sagrados para a prática de religiões matriz africana. Novamente, os ataques pela extrema direita às unidades de educação pública conhecidas pela sua excelência, como a Faculdade de Educação da Baixada Fluminense, em Duque de Caxias, retornam, dessa vez como forma de se suprimir o sistema de cotas raciais implementadas nos governos anteriores.

 

“Seria bom perguntar para os candidatos a prefeito e vereador, o que eles pretendem fazer em relação a isso. Que garantias seus eventuais mandatos vão fornecer em relação a permanência dessa política de ação afirmativa. Não estamos falando apenas das cotas, mas de mudanças na configuração política e administrativa das universidades federais”, diz avalia Carneiro. 

 

 

 

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