08 de outubro de 2024   

Entrevista do mês: Kleber Gonzaga, psicólogo e diretor de Direitos Humanos da Secretaria Municipal de Assistência Social de Nova Iguaçu 
 “O racismo faz com que os profissionais da saúde mental escutem de maneiras diferentes pessoas negras e brancas”.  
 
Na semana em que se comemora o Dia Internacional da Saúde Mental (10/10), FGB conversa com o psicólogo sobre produção intelectual de autores(as) negros(as) acerca do tema, sobre os atendimentos clínicos individuais e coletivos e como populações tradicionais e periféricas se cercam de cuidados sem consultórios.  

 

O Dia Internacional da Saúde Mental, comemorado em 10 de outubro, é uma data reconhecida mundialmente para promover a conscientização e a ação em prol da saúde mental. Estabelecida pela Federação Mundial de Saúde Mental em 1992, a data visa aumentar a compreensão sobre a importância da saúde mental, desmistificar tabus e promover o cuidado adequado para aqueles que enfrentam transtornos mentais.  

 

 A Baixada Fluminense é uma região historicamente marcada por desigualdades sociais, econômicas e raciais. E a população negra é a mais afetada por essas desigualdades, além de outras problemáticas como violência, desemprego, falta de acesso a serviços de saúde adequados e ambientes de educação com poucas oportunidades. Essas condições aumentam o risco de adoecimento mental e agravam problemas como depressão e ansiedade. 

 

 Além disso, essa conscientização cria espaços de apoio comunitário, onde a população pode se sentir ouvida e entendida em suas especificidades, como bem explica o psicólogo Kleber Gonzaga, diretor de direitos humanos da Secretaria Municipal de Assistência Social de Nova Iguaçu, nosso entrevistado do mês.  

 

Entrevista a Fabio Leon  


Você pode nos falar um pouco sobre a sua experiência na formação na área de saúde mental e como isso se relaciona com as questões raciais?  

 

Eu sou psicólogo, estou na prefeitura de Prefeitura de Nova Iguaçu, sou mestre em psicologia e doutorando em psicologia pela Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ). Como experiência, a saúde mental e a saúde mental da população negra, me construíram como psicólogo, porque fiz 5 anos de graduação em Psicologia e percorri alguns caminhos. Em 2014, eu já era servidor aqui do município, fui convidado para ser técnico da Política de Promoção de Igualdade Racial. E só nesse momento, eu passei a ter contato com produções literárias que falavam sobre a saúde mental da população negra. Tive contato com o Fanon, com Lélia Gonzalez, com Virgínia Bicudo, enfim, proposições e discussões sobre as questões raciais e, mais especificamente, sobre a saúde mental da população negra. E só aí que eu consegui entender qual era o meu lugar na Psicologia. Eu tinha muitas questões com relação a que profissional eu era ou quem eu poderia ser ao prestar algum grau de atendimento antes desse contato com esses autores. A graduação não me deu acesso a eles naquele momento. Isso me fez pensar alternativas de linhas teóricas em Psicologia, rever, por exemplo, o meu contato com a psicanálise, que não me agradou diretamente quando eu tive contato. Mas depois eu entendi o porquê. Porque a maneira como me foi passada estava desconectada com a população que, no geral, eu atendia, principalmente na Política de Assistência Social.  


Na graduação, você viveu aquela experiência de ser uma das poucas pessoas negras em sala de aula ou na própria faculdade? Como foi para você cursar uma graduação tão branca e elitista como a Psicologia?   

 

Sim. Eu sou formado há, se não me engano, 14 ou 15 anos. Mas, obviamente, eu era uma das poucas pessoas negras que acessavam aquele espaço. Era o início do contato com o Prouni então eu tinha ali alguns colegas prounistas, também negros, mas, em sua maioria, eram todas pessoas brancas na minha sala. Eu era bolsista da instituição, porque eu trabalhava lá. Isso me ajudou a estar inserido naquele ambiente. Mas é o comum, né? Ainda hoje isso é comum. Hoje eu sou professor da graduação, então eu dou aula para mais alunos negros do que eu tinha na minha sala, porém ainda são turmas majoritariamente de pessoas brancas. Mas essa diversidade étnica vem aumentando a partir de diversos avanços em políticas afirmativas e outras discussões. Eu consigo ver isso acontecer no corpo docente. Lá eu tenho alguns colegas negros, diferente da minha graduação, onde, durante cinco anos, eu tive uma única professora negra. Hoje, nas turmas onde leciono, elas têm outros professores negros além de mim, então isso a gente vê algum grau de avanço.  

 
Em termos raciais, como é que a experiência racista sofrida por pessoas negras impacta no bem-estar psicológico delas? 

 

Se a gente for pensar, já temos uma produção brasileira e internacional sobre o tema. A gente tem o (livro) "Tornar-se Negro", tem também o "Alienação e Liberdade - Escritos Psiquiátricos" que é uma coletânea de artigos, redigidos por Frantz Fanon. Nesse livro, tem um capítulo que fala exatamente sobre os impactos do racismo sobre a saúde mental da população negra, seja ela brasileira, latino-americana. A gente sabe que o racismo é uma construção histórica, não é a divisão por raças ou uma divisão natural. Há um momento histórico brasileiro e outro mundial onde você cria o conceito de raça, porque antes disso você tinha ali a Europa, Ásia e países africanos fazendo comércio, tendo relações de uma maneira unilateral. Você cria esse conceito de raça exatamente para que você possa diminuir, minimizar um sujeito diante do outro. É dentro desse conceito, dessa proposição racial, que você coloniza, sequestra e escraviza pessoas para a produção capitalista no Brasil e na América Latina como um todo. No Brasil, é nessa configuração que você constrói as relações raciais. Essa relação racial se reproduz sobre a subjetividade das pessoas negras. É óbvio que a gente não consegue dizer como isso afeta cada sujeito negro, mas a gente pode dizer como isso afeta diretamente a subjetividade das pessoas negras brasileiras, porque a gente tem uma correlação racial entre sujeitos de um privilégio de pessoas brancas, que é ilustrado com o conceito de branquitude, e o que a professora Cida Bento traz do pacto narcísico da branquitude. Você tem um pacto da branquitude que coloca pessoas brancas em espaços de poder, de decisão e a população negra no processo de marginalização, de violência e de exclusão social. Isso impacta diretamente, porque quando a gente fala de saúde mental, a gente não pode esquecer que a gente não está falando exclusivamente de um processo biológico. Quando a gente pensa saúde, às vezes a gente tem essa ideia um tanto biológica ou biologicista, mas na saúde mental não é assim. Ela envolve principalmente questões do social. Se a gente está falando de uma população que não acessa coisas por conta do racismo, não acessa a produção do capital, consequentemente também não acessa afeto, uma escuta dos órgãos governamentais, da mesma maneira que uma pessoa branca é ouvida. Ela não vai ser, muitas vezes, atendida por um médico ou por um psicólogo ou outros profissionais de saúde da mesma maneira que uma pessoa branca será atendida. Porque o racismo estrutural faz com que os profissionais da saúde escutem de maneira diferente pessoas negras e pessoas brancas. A gente tem estudos e pesquisas que apontam isso. Toda essa gama de produções do racismo afeta diretamente a subjetividade dessas pessoas e das pessoas negras.  

 
Você falou de privilégio e uma das coisas que estão inseridas nesse contexto é exatamente o acesso à manutenção da saúde mental. Como essas barreiras são enfrentadas, principalmente pela população negra? 

 

A gente está falando de questões das políticas de saúde. Não podemos deixar de pontuar a desconstrução de determinadas políticas públicas de saúde que aconteceram no governo anterior e as proposições que a gente vem fazendo com relação à política de saúde mental. Se a gente está falando de uma população que é vulnerabilizada por conta de um processo histórico, então é uma população que vai acessar, via SUS e, portanto, pela saúde pública, algum grau de acesso à saúde mental. Quando a gente está falando nesse contexto de saúde mental enquanto política pública direta, nesse sentido não só a população negra vai ter dificuldades, mas toda a população brasileira, que tem passado alguns percalços no acesso à saúde, principalmente à saúde mental. A gente tem aí uma escalada de outras entidades propondo saúde mental enquanto saúde pública ou instituição do terceiro setor. Tem uma precarização, por vezes, dos serviços. Se isso atinge diretamente a população mais empobrecida, obviamente isso vai atingir mais diretamente a população negra. Também precisamos evitar de reduzir a saúde mental à acesso à saúde direta ou à construção direta de políticas públicas de saúde, na Clínica da Família ou no posto de saúde. Existem aí outros processos de precarização de saúde mental da população negra. Vamos ter uma população que, aparentemente, nunca esteve distante da discussão política. Isso não é verdade. A gente precisa deixar isso muito bem estabelecido. Durante séculos, essa população vulnerabilizada buscou algum grau de manutenção da sua saúde mental. Por falta de alternativas governamentais, é uma população que, por vezes, vai buscar algum processo de saúde mental no coletivo. Você vai ver pessoas buscando saúde mental nas comunidades de terreiro, por exemplo, e produzindo nessas comunidades um contato grupal entre pessoas, não necessariamente só entre pessoas negras, mas entre pessoas que comungam de um mesmo conhecimento, de uma mesma construção ancestral. Isso beneficia diretamente a saúde mental dessas pessoas, em termos sociorreligiosos. Pessoas negras também são maioria, por exemplo, em igrejas evangélicas. Nessas igrejas, pessoas negras, por muitas vezes, constroem relações, ainda que muito aquém de se fazer alguma discussão racial nesses espaços. O que se sabe é que elas buscam, nas periferias, a construção de fortalecimento de vínculos comunitários ou sociais. A política de assistência social, por exemplo, é a política pública onde a população tem mais contato com psicólogos. Isso é muito importante a gente falar. Quando essa pessoa está num processo de serviço de convivência e fortalecimento de vínculos comunitários, que são realizados nos CRAs, ela está acessando saúde mental. Quando ela recebe, por exemplo, aqui em Nova Iguaçu, a visita do PIPAS (Primeira Infância Protegida da Assistência Social, desenvolvido pela Secretaria Municipal de Assistência Social, baseado no Programa Criança Feliz, do Governo Federal) que vai atender crianças em casa, muitas das vezes é o primeiro e o único contato que ela tem com esse tipo de profissional. A gente tem psicólogos que são os supervisores dessa rede de atendimento a crianças em casa. Ela acessa saúde mental por essa via. Quando a gente faz processos de participação e controle social, eu vejo o controle social como um grandisíssimo mobilizador de saúde mental, a gente chama a população, o Poder Público, convoca a população para discutir política pública. Então, eu saio de um lugar de quem só recebe a política pública para um lugar diretamente ativo na política pública municipal. Isso é mobilizador também de saúde mental, porque a saúde mental, dentro de alguns entendimentos, também é sobre posicionamento político vivencial, não político-partidário. Isso a gente percebe, por exemplo, no contato que a gente tem com a Rede de Mães. É um processo de construção e produção de saúde mental, de forma política por essas pessoas. Eu, como psicólogo, jamais vou colocar a ciência à frente do sujeito. Os sujeitos podem produzir redes de proteção e de saúde mental. Eu acho a Rede de Mães um grande exemplo de grupo de pessoas que é muito promotora de saúde mental, obviamente. Embora as mulheres que compõem esse grupo, pelas histórias de violência que vivenciaram, também sofram com suas doenças mentais.   

 
Você falou sobre a Rede de Mães e é inevitável nós não falarmos sobre a questão da segurança pública e como esse alarmante índice de homicídios impacta principalmente a população preta, pobre e periférica. Você, como diretor de direitos humanos da Prefeitura de Nova Iguaçu, qual o balanço que você faz em relação a esse alarmante índice de homicídios e a repercussão que esses números têm justamente sobre essa população?   

 

A violência de Estado, não tem como a gente não dizer, ela impacta diretamente sobre a saúde mental da população mais vulnerável. Você vai ver isso não só aqui em Nova Iguaçu, mas nas comunidades da capital. Você tem produções muito importantes da Fiocruz sobre isso, falando dos impactos diretos sobre saúde, educação, segurança alimentar da população ou quando você tem uma incursão da força policial naqueles espaços. A população desses territórios tem menos acesso, por exemplo, à educação, se a gente for calcular horas de aula, porque, às vezes, por semanas essas escolas ficam fechadas. Elas têm menos acesso à saúde. Por quê? Porque a mesma unidade de saúde, como, por exemplo, a UPA que fica nesse território, funciona menos horas por ano. Porque a gente tem esses equipamentos fechados ou com funcionamento reduzido durante um grande período. A violação e a violência, que às vezes é impetrada em algum grau pelo Estado, vulnerabiliza ainda mais uma população que já é mais vulnerável, que é a população negra. Então, se a gente está falando também da população que sofre pela violência de Estado, de uma maneira mais contundente, com a perda de um ente, ou com o desaparecimento, obviamente é uma população que vai necessitar, em diversos graus, do apoio estatal para viabilizar a produção de saúde mental. Mas é uma população que constrói o coletivo na sociedade civil. Aqui no município nós temos um serviço tipificado na política de assistência social para a qualificação do serviço de atendimento a pessoas que foram vitimadas por esse tipo de violência letal. Porque nós entendemos, a partir dessa provocação da sociedade civil, que nossos serviços precisam estar qualificados para atender.
 

Sobre o quantitativo de profissionais da saúde mental, nós temos o seguinte cenário: em sua grande maioria, são muito mais profissionais brancos exercendo o ofício, embora, aos poucos, esteja surgindo uma nova geração de profissionais negros e negras. Na sua opinião, ter mais profissionais negros nesse mercado, mesmo considerando-se a dificuldade de acesso, o elitismo, e todas as barreiras socioeconômicas impostas, é possível se criar uma dinâmica mais racializada de atendimento?   

 

A gente está falando de duas coisas. O acesso da população negra brasileira ao ensino superior. Ou seja, tem que ter e cada vez mais avançar nas políticas afirmativas para que as pessoas tenham acesso ao nível superior e possam se profissionalizar e construir carreira onde essas pessoas quiserem. Outro ponto é que construção pedagógica e metodológica forja profissionais de saúde mental no Brasil para atender a população brasileira, mas que não seja para atender a população negra brasileira? Ou a gente está formando profissionais para atender uma classe ou para atender a elite do país? A gente precisa construir com profissionais esse processo de entendimento das afetações da racialidade, das questões raciais, os impactos na saúde da população negra. Se os profissionais não estão habilitados para isso, esses profissionais não estão habilitados para atender a população brasileira.  

 
E do ponto de vista da metodologia, que práticas ou intervenções dentro da psicologia se mostram mais eficazes no sentido de atender a saúde mental da população negra? 

 

A própria construção de uma identidade racial tem produzido bons frutos, em algum grau, na saúde mental da população. A construção de uma identidade racial afro-brasileira, tem possibilitado às pessoas uma certa manutenção, uma construção de possibilidades de saúde mental. Estou falando de acesso, contato e a inserção da discussão sobre saúde mental nos espaços majoritariamente negros no Brasil. Existe uma discussão que o Conselho Nacional de Saúde fez, colocando os terreiros de religiões de matriz africana como promotores de saúde mental, por exemplo. E isso é muito importante. E não só o terreiro, toda a produção de conhecimento ancestral, e não necessariamente acadêmico, fez isso. Muitas das vezes, nas periferias, os problemas eram cuidados pela rezadeira ou no terreiro de candomblé. Isso desde antes da Abolição. Isso também é uma metodologia que agora se reconhece como eficaz, mas que nem sempre foi. Não só o terreiro, mas a capoeira, os espaços mais modernos, como o hip-hop, discussões sociais que o pessoal da periferia tem acesso e produz. A produção cultural é promotora de saúde mental no meu entendimento. E diversos outros espaços de construção social são promotores de saúde mental. Sem querer entrar numa questão metodológica da psicologia exclusivamente, acredito que a sociedade é promotora de saúde mental nesse sentido. É claro que a psicologia é absurdamente importante ou outras áreas da saúde mental são importantes. Mas a sociedade tem esse poder. Só no campo social é que você vai desconstruir processos de racismo. Você vai desconstruir o que o racismo pode causar para pessoas negras e promover algum grau de saúde mental. A gente não pode colocar na conta da população negra exclusivamente um processo que não foi produzido diretamente por essa população. 

 

Ou seja, essa interação coletiva acaba sendo muito mais potente do que muitos antidepressivos, por exemplo.  

Muita coisa. Vamos colocar uma questão muito específica, e que outras pessoas podem falar muito melhor do que eu, que é a solidão da mulher negra ou a dificuldade da mulher negra na construção de relacionamentos, por exemplo. Não necessariamente você consegue modificar diretamente isso no tecido social. Mas a partir do momento que uma mulher negra identifica e entende que outras mulheres negras passam por aquele mesmo motivo, você constrói uma consciência coletiva de que aquele é um problema não individual, mas um problema de construção social. Quando pessoas LGBTQIAP+ são negras e, além dos processos de homo-lesbo-transfobia, estão nessa intersecção de opressões sociais, conseguem entender ou construir aquele processo, que não é um processo individual, mas é um processo de pessoas dessa comunidade, negras, ou de mulheres lésbicas negras, ou de homens gays negros, ou de pessoas trans negras. Quando elas conseguem construir isso de maneira coletiva, não necessariamente você muda automaticamente o que a sociedade faz com essas pessoas, mas você consegue posicionar essas pessoas, ou esse grupo, politicamente, para poder fazer esse debate de maneira amplificada. Isso pode ser promotor de saúde mental também. Como você falou, muito mais do que processos, talvez haja a necessidade de medicamentos também, porque eles foram e são muito importantes para que a gente pudesse ter alguma manutenção de saúde mental. Mas a gente também vai fazer críticas à supermedicalização. Então a saída é pelo coletivo. Ela não necessariamente passa pelo micro acesso à clínica em saúde mental. A clínica é importantíssima, mas a saída, no sentido de produção de saúde mental para a população negra e para as outras populações que sofrem racismo, como a população indígena, é pela construção coletiva. Na verdade, os indígenas, assim como os quilombolas e como a comunidade de terreiro, me explicaram isso conforme eu fui tendo contato. O indígena sobreviveu e sobrevive pela relação que eles conseguem construir com a comunidade. Eles se tratam e se colocam como parentes o tempo inteiro, inclusive quando estão falando de grupos indígenas diferentes. Não é uma saída para construir, lutar contra as opressões, ter um atendimento individualizado para cada sujeito. Esse processo individualizado, embora exista, é um processo um tanto colonial, vem de um entendimento europeu, da medicina clínica dentro de um consultório. E aí você transfere isso para a Psicologia, para saúde mental como um todo. Há saída para alguma construção de processo de saúde mental, tanto para mulheres negras, para homens negros e as suas intersecções entre pessoas cisgêneros, binárias e não binárias e pessoas travestis e transexuais, que é pelo coletivo. A saída para a saúde mental da população negra é uma saída coletiva. 

 
Quais são as suas esperanças no futuro da saúde mental pela perspectiva racial? O que você acha que pode acontecer nos próximos anos?    

Eu sou uma pessoa esperançosa. Eu acredito que as políticas afirmativas têm colocado uma galera muito boa nas universidades. Eu tenho tido contato com trabalhos incríveis que vem com propostas absurdamente interessantes para a produção de saúde mental como um todo e específico para a saúde negra. Eu tive contato com uma menina da Rural (UFRRJ), chamada Rayane Patrício, que desenvolveu um trabalho sobre a construção da fala das mulheres negras através de depoimentos da mãe e da avó dela. Foi um trabalho que me deixou muito emocionado. É absurdamente potente que a universidade desconstrua os seus muros para que ela seja uma instituição que produza para a população brasileira. Então, quando você convoca a ancestralidade da sua avó para a produção científica, que poderia ser considerada não pertencente a esse espaço, é uma contribuição racial muito rica. Também sou muito esperançoso em relação a juventude quilombola e a juventude de terreiro, de quem pratica capoeira. Torço muito pela juventude indígena que tem produzido muito conteúdo sobre as suas vivências, experiências, seu saber ancestral, não necessariamente acadêmico. A psicologia brasileira precisa saber construir sobre saúde mental a partir de Nego Bispo com o movimento negro, aprender mais com Lélia Gonzales, Abdias Nascimento. Ainda teremos um processo revolucionário no que se refere a equidade e promoção da saúde mental para a população negra.