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“O Fórum Grita Baixada permitiu que identificássemos as raízes de tanta violência.”

Dom Luciano Bergamin

Bispo da Diocese de Nova Iguaçu

Por

Fabio Leon

Assessor de Comunicação do Fórum Grita Baixada

julho de 2017

 

 

Luciano Bergamin nasceu em Loria, na diocese de Treviso (Itália), no dia 04 de maio de 1944. Após os estudos preparatórios no Seminário "São Pio X", dos Cônegos Regulares Lateranenses, freqüentou em Roma os cursos de filosofia na Pontifícia Universidade de São Tomás de Aquino e de teologia na Pontifícia Universidade Gregoriana, obtendo licenciatura em ambas disciplinas. No dia 24 de julho de 2002 é nomeado pelo Papa João Paulo II o novo Bispo da Diocese de Nova Iguaçu - RJ, cuja posse aconteceu no dia 22 de setembro de 2002. Carismático e afetuoso, o líder religioso toca em temas espinhosos acerca da violência na região.

O tema da Campanha da Fraternidade de 2018 tratará sobre a “superação da violência”. Como o senhor percebe o quadro da violência em nosso país e em especial na Baixada Fluminense?

Infelizmente, percebo um quadro um tanto trágico e muito preocupante. Porque há diversas fórmulas de violência na nossa Baixada, no Rio e no Brasil. O fato de o tema da violência estar presente pela terceira vez na Campanha da Fraternidade, significa que ela está progredindo cada vez mais. Não há uma regressão. Mas a Campanha desse ano tem, a meu ver, um olhar próprio. Não é apenas identificar as fórmulas de violência, mas como superá-la. A superação, que é um plano de Deus e das famílias, deve apontar que caminhos, meios e direção devemos encontrar para atingir essa superação.

 

 

Como tem sido o cotidiano da Igreja Católica, em especial a Diocese de Nova Iguaçu, frente aos casos frequentes de aumento da violência na região? Os padres relatam algum tipo de comportamento dos fiéis que reflita esse cenário nas paróquias?

Como você disse, é cotidianamente. Na nossa Diocese, que congrega sete municípios da Baixada, há sempre um caso de violência a ser relatado. Uma das violências das quais menos se fala é a violência doméstica, mas ela é a mais presente. Todos os dias os padres relatam casos assim. E ela é uma forma de violência mais refinada. O nosso pior medo é a gente se acostumar com essa violência. Seja ela familiar, de morte entre inimigos, não devemos nos deixar acomodar, nos tornar insensíveis. Esse é um dos maiores e graves pecados que existem, que é ser insensível a esse tipo de problema.

 

 

Na sua opinião, como a Igreja pensa as possíveis formas para a superação da violência na perspectiva da construção de uma sociedade com foco na cultura de paz?

Nós temos muitos documentos a respeito disso. Desde o Papa João 23, que fez uma encíclica chamada “A Paz Sobre a Terra”, até os dizeres de Papa Francisco, passando pela nossa Diocese, a Igreja Católica sempre se manifestou em relação a isso. Por isso estou muito ansioso em ler o texto da Campanha da Fraternidade do próximo ano. Ele vai apresentar a realidade do Brasil e também do resto do mundo. Mas também novas perspectivas e luzes. Os bispos do Estado do Rio tomaram uma sugestão aqui de nossa terrinha. Que a abertura da campanha da fraternidade de 2018 não seja feita em cada diocese, mas na capital do Rio de Janeiro e que as dioceses repliquem suas intenções. Temos que nos educar dentro daquilo que os papas chamam de civilização do amor e da paz. A violência está nos poros de nossa pele, nas coisas mais banais. Temos de aprender que não é pela violência que não se resolvem os problemas, nenhum deles. Precisamos utilizar aquilo que Papa Francisco tanto prega que é o diálogo.

 

 

A juventude (em especial a juventude das periferias e a juventude negra) acaba sendo profundamente atingida por este cenário de violência. Como o senhor observa essa situação e as consequências para nosso povo?

Um exemplo simples: a nossa diocese, no seu plano de pastoral escolheu quatro urgências. Uma delas é a juventude. A realidade mostra que a maioria dos assassinatos em nossa região são de jovens e negros da periferia. E, infelizmente, os que matam também. Nas prisões, você observa que a grande maioria dos presos não têm 30 anos, são de famílias pobres e cor negra. Entretanto, em determinados tipos de morte, como as execuções, são feitas por gente branca e nem tão pobre assim. Também sabemos que a falta de estudo, de condições econômicas, a miséria e os meios de comunicação, que provocam o consumismo, ajudam na piora do quadro. Eles então se perguntam: “se os outros podem ter carro novo, roupa nova, um instrumento de tecnologia, por que não posso ter?” Então ele se torna uma presa fácil de uma riqueza ilusória. E para querer ter acesso a tudo isso, sem querer ele acaba entrando nesse mundo maldito do tráfico, das drogas, da venda de armas, do roubo e assim por diante. A nossa sociedade não apresenta valores reais. Apenas valores supérfluos para saciar a nossa sede por coisas materiais. Ela não valoriza o bem supremo, a alegria que não vem das coisas, mas do que temos dentro do coração. Do que vem de relacionamentos fraternos, de um conviver com dignidade, do que é necessário para os seus. A educação é sempre o caminho. Quanto sofrimento inútil, quanto sangue derramado, quantos sonhos dessa juventude foram trocados por um mundo fácil...

 

"Hoje estou convicto de que nenhum município da Baixada consegue resolver sozinho essa questão (a da redução de homicídios). (...) Porém, o mais difícil é que cada um deixe de pensar em si e passe a pensar no coletivo"

 

Desde o ano passado e neste ano em especial a Diocese de Nova Iguaçu organizou encontros com Gestores Públicos das diferentes prefeituras da Baixada Fluminense. Neste processo houve a compreensão que os esforços deveriam ser unidos em prol da uma Frente Intermunicipal de Valorização da Vida com foco na perspectiva da redução de homicídios. Como o senhor vê a importância dessa frente e os desafios a enfrentar?

Estou plenamente de acordo com a comissão formada pelo Fórum Grita Baixada. Essa parceria com a Misereor possibilitou que identificássemos as raízes e as causas de tanta violência que chega ao ponto do assassinato. Esse grupo propôs junto com a gente, esse encontro com os gestores públicos e os prefeitos para a formação de uma frente comum em defesa da vida. Hoje estou convicto de que nenhum município da Baixada consegue resolver sozinho essa questão (a da redução de homicídios). Não temos condições econômicas nem culturais para isso. Porém, o mais difícil é que cada um deixe de pensar em si e passe a pensar no coletivo. Mas só o fato de os gestores concordarem que o caminho é este, a união através da Frente Intermunicipal pela Valorização da Vida e também pela defesa de uma sociedade melhor, mais justa, onde todo mundo se sinta valorizado, já é um grande passo. Agora o segundo passo são ações concretas para realizar esse sonho e esse projeto. De minha parte e da Diocese, nós estamos muito contentes com essa iniciativa, esse diálogo que tivemos. Como diria padre Agostinho, que fez história por aqui, “é por aí mesmo”. É um caminho penoso, demorado, mas é uma das soluções possíveis para se encontrar mais paz na nossa região.

 

 

Falar de juventude também é falar sobre modernidade. Aproveitando que essa entrevista vai inaugurar o novo site do Fórum Grita Baixada, perguntamos. Nesse quase ¼ de Século XXI, a tecnologia modificou completamente as formas como a sociedade se comunica. É uma comunicação feita de hiperestímulos, síntese, rapidez, principalmente nos processos de produção de informação e como se informar. Qual a sua opinião sobre a tecnologia nos dias de hoje?

Queiramos ou não estamos nesse mundo não é? Eu acho que somente eu, dentre os padres, tenho um celular do Antigo Testamento que só responde e fala.  Os meus irmãos têm esses celulares com “zapzap” (aplicativo Whatsapp). A tecnologia em si é uma maravilha. Uma coisa estupenda. Quem tem internet tem a facilidade de saber tudo o que está acontecendo. A tecnologia pode nos trazer benefícios imensos. Se bem utilizada é uma bênção, principalmente quando aproxima as pessoas. Só fico chateado quando estou em uma reunião e tem algumas pessoas mexendo no celular. A internet pode construir a paz, mas também pode construir intrigas, desavenças. Que Deus nos ajude a utilizar bem esses estupendos meios de tecnologia e vamos torcer para eles não sejam armas para a separação dos corações.

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Abaixo Dom Luciano Bergamin comenta sobre as possibilidades e os desafios à Frente Intermunicipald e Valorização da Vida