06 de junho de 2024

Protagonismo da juventude periférica

Reunião Aberta do FGB de junho contou com a presença do Coletivo Guarani, de Magé

Luta por direitos através da cultura, arte, educação e meio ambiente no município são debatidos. 

 

Quais perspectivas deveriam ser levadas em conta na hora de contemplar políticas públicas para a juventude? O poder público é suficiente para dar conta de demandas específicas para crianças, adolescentes e jovens adultos? Como engajar os jovens para que tenham acesso a direitos garantidos? Esses e outros questionamentos foram levantados na reunião mensal do Fórum Grita Baixada, que aconteceu na manhã dessa segunda-feira (03/06) na sala Padre Fernando, no Centro de Formação de Líderes, em Nova Iguaçu, e teve como tema “Hip Hop, Cultura Periférica e a Organização de Base Popular na Baixada Fluminense”. Foram recebidos dois integrantes do Coletivo Guarani, de Magé, que tem se notabilizado pela diversidade de suas atuações: a cientista social com especialização em curso em Cinema e Linguagem Audiovisual, Lyvia Leite, e o ativista, advogado popular, indígena guató, e especialista em advocacia criminal, Anderson Ribeiro.

 

No início de seu momento de fala, Lyvia Leite fez uma breve análise de conjuntura pontuando alguns aspectos históricos da cidade da Magé, especialmente no que tange à precarização de políticas públicas voltadas para a cultura e como o Coletivo Guarani agiu em função das enchentes que abalaram a região em março de 2022.

 

- Magé só tem uma biblioteca e quase nada de equipamentos públicos como praças para os jovens. A pandemia foi um momento em que as vulnerabilidades se exacerbaram de forma estrutural. Além disso, nas enchentes, eu e Anderson trabalhamos com doação de cestas básicas para os atingidos e foi aí que tivemos a ideia de criar o FOMA (Fórum Climático de Magé) para se debater as questões relacionadas à justiça climática. Não temos acesso a cinema, teatro. Temos pessoas muito capacitadas, ligadas à produção artística e cultural, mas que estão optando por sair de Magé, pois permanecer no local é garantia de não poder de sustentar de forma financeira. Isso acontece com muitas pessoas.” -  afirmou a cientista social. 

 

Ela também acrescentou que o Coletivo se organiza em outras frentes de trabalho, como o Festival Popular Periférico (FPOP), que reúne representatividades da cultura urbana local em eventos ocasionais (em especial grupos formados por skatistas, coletivos ligados ao grafite e à capoeira), o Cine Guarani, que promove debates através de produções audiovisuais e o Movimento de Educação Popular Esperança Garcia, um pré-vestibular comunitário que costuma ministrar aulas que não são atendidas nas grades curriculares convencionais, priorizando uma pedagogia crítica e reflexiva em suas aulas e matérias. 

 

Anderson Ribeiro afirmou que, embora reconheça a importância de espaços religiosos comunitários, disse que é preciso que a juventude tenha outras opções de inserção. Para o advogado, é necessário que os jovens queiram, também, debater perspectivas políticas. Mas, para isso, ressaltou que é necessário fortalecer a presença da juventude em uma pluralidade de espaços.

 

- Nós precisamos criar mecanismos sociais para aglutinar lutas e não apenas em partidos políticos, já que existem ONGs e Movimentos Sociais de Direita. O Coletivo é um movimento ligado ao hip-hop, mas a galera do hip hop acha que não é merecedora de estar na universidade, pois acha que é coisa de playboy, por serem espaços elitizados. Eles também reconhecem que os shoppings centers não são espaços de pertencimento, porque até para ir ao cinema é caro”, disse o advogado.

 

A realidade através da sétima arte.

A dupla argumentou que, na década de 1970, Magé era uma cidade próspera no que se refere a espaços para a mostra de filmes e que os antigos cinemas foram se transformando em outros estabelecimentos comerciais ao longo do tempo. Um reflexo dos poucos investimentos em cultura desde então. Eles aproveitaram o ensejo e anunciaram que futuras exibições seguidas de rodas de conversa sobre o filme “Desova”, dirigido por Laís Dantas, produzido pela Quiprocó Filmes, apresentado por Fórum Grita Baixada e o grupo de pesquisa do Observatório Fluminense da UFRRJ, serão organizadas e datas divulgadas em breve em espaços públicos na região. O filme trata sobre o protagonismo de familiares vítimas de violência em função de desaparecimentos forçados na Baixada Fluminense. 

 

Ainda sobre questões audiovisuais, Anderson comentou o quanto Magé tem servido de influência para produções audiovisuais contemporâneas, como o documentário “Tear”, de 2013, dirigido por Taiane Linhares, sobre episódios de violações de direitos no distrito de Santo Aleixo sob o contexto da ditadura civil-militar-empresarial. Uma trama que mistura greves, prisões e torturas, relacionadas ao golpe de 1964 e o movimento trabalhista de operários da indústria têxtil e moradores da região.

 

- “E tem gente que acha que a ditadura nunca chegou até Magé”, disse Anderson.

 

Juventude e racismo ambiental

Lyvia e Anderson também trouxeram reflexões sobre as formas de perpetuação do racismo ambiental e como a sua construção se dá por meios nem sempre tão óbvios.

 

- “As pessoas pensam que o racismo faz parte de uma estrutura de opressão imediata como xingamentos raciais, mas ela é, na verdade, também muito sutil quando você percebe como ele é direcionado às políticas ambientais sobre tratamento de esgoto, por exemplo. É feito com mais estrutura, vontade política e cuidado na Zona Sul do Rio em comparação à cidades na Baixada”, disse o criminalista. 

 

Eles também demonstraram preocupação sobre a realidade de comunidades de povos tradicionais. Segundo Anderson, em uma localidade conhecida como Casinhas, onde existe o Quilombo de Bonganbá, moram 136 famílias. Elas convivem diariamente com uma série de precariedades urbanísticas como falta de saneamento básico. Entretanto, a prefeitura parece destinar seus recursos financeiros para outras prioridades, como a festa de aniversário da cidade (dia 9 de junho) em que contratará nomes da música pop ao custo de cachês milionários. Enquanto isso, a juventude parece ter dificuldade em conciliar as exigências da modernidade com a continuidade no que se refere ao campo de trabalho nesses territórios, além de fomentar as culturas ancestrais com a urbana.

 

Ao falar uma vez mais sobre as origens do Festival Popular Periférico (FPOP), eles identificaram os primeiros desafios enfrentados na organização do evento, como o ajuntamento das tribos e determinadas particularidades que colaboraram para o aspecto heterogêneo que envolve iniciativas dessa natureza.

 

- “Por mais que se tenha uma galera dos patins, ela não se identifica com a galera do skate, que não tem muito envolvimento com o pessoal da capoeira. Cada evento do FPOP é uma forma de ocupar praças públicas que estão abandonadas, de alimentar o número de contatos”, diz Anderson.

 

O coordenador executivo do Fórum Grita Baixada, Adriano de Araujo, ao comentar que os movimentos sociais não precisam ser apartidários, mas o problema é ser instrumentalizado pela perspectiva de políticas partidárias, perguntou para os convidados da reunião se havia a percepção de como a juventude se disponibiliza para a construção de transformações políticas.

 

Lyvia respondeu que era preciso estimular a capacidade crítica dentro da cabeça de jovens entre 15 e 17 anos, apesar do cansaço e do desestímulo a praticamente quase tudo, no que se refere às dificuldades sociais.

 

- “A gente precisa abandonar a ideia de que para ser validado, é preciso estar engessado por uma institucionalidade. Se o poder público fizesse o seu trabalho direitinho, não teríamos ONGs, associações, coletivos e outras formas não convencionais de institucionalidade”, respondeu Lyvia.   

 

Os representantes do Coletivo Guarani também afirmaram que pretendem fazer um mapeamento de grupos de hip hop na Baixada Fluminense para a realização de um festival ainda sem data definida.

 

A próxima reunião geral mensal do FGB acontecerá no dia 1 de julho. O tema será a Marcha das Mulheres Negras, cuja pauta será a construção de outras formas de protagonismo feminino nas lutas democráticas, levando em consideração o aspecto racial dessas discussões.